Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

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Alta da Bolsa engana, e debilidade da economia dos EUA gera preocupação

Enquanto líderes mundiais se perguntam se Donald Trump vai declarar guerras comerciais contra a China e o México, enfraquecer a Otan e antagonizar agressivamente boa parte do mundo muçulmano, está ficando cada vez mais claro que o estado de debilidade da economia dos EUA deveria preocupar o resto do mundo quase tanto quanto a indefinição da política externa do presidente.

Os Estados Unidos ainda são o maior mercado consumidor do mundo, e é provável que Donald Trump estimule o crescimento. Mas isso não vai resolver os problemas subjacentes da economia americana, e esse fato é um problema para toda a economia global.

As manchetes contam uma história enganosa. Os mercados acionários americanos continuam a subir para níveis recordes. O discurso de Trump perante o Congresso na semana passada levou a uma alta ainda maior das ações, devido à esperança de que um plano de redução grande nos impostos sobre as empresas e investimento de US$ 1 trilhão para modernizar a infraestrutura do país energize o crescimento econômico nacional.

O investidor bilionário Warren Buffett previu recentemente que haverá mais crescimento pela frente e apostou nisso, fazendo novos investimentos. Ele tem razão ao considerar que há espaço para as ações americanas subirem, mas isso não vai ajudar os eleitores de classe média que nos últimos anos perderam seu poder de compra e, em muitos casos, seus empregos –eles, os eleitores que aplaudem a promessa de Trump de "tornar a América grande outra vez".

A perda de empregos no setor manufatureiro verificada na última geração teve consequências especialmente difíceis nos Estados Unidos. Como observou Nicholas Eberstadt em um convincente artigo recente na revista "Commentary", "o crescimento per capita médio nos EUA não chegou a 1% ao ano" entre 2000 e 2016, uma queda aguda em relação ao crescimento anual de 2,3% que o país apresentou entre 1948 e 2000.

Além disso, Trump tem razão ao dizer que o índice oficial de desemprego americano é enganoso porque não inclui o número crescente de americanos de idade economicamente ativa que deixaram de procurar trabalho.

Não por coincidência, a dependência de drogas, tanto legais quanto ilegais, cresceu muito na última geração.

Eberstadt cita um estudo realizado em 2016 por Alan Krueger, ex-presidente do Conselho de Assessores Econômicos do Presidente, revelando que quase metade de todos os homens americanos de idade trabalhadora que deixaram de ser economicamente ativos hoje tomam analgésicos diariamente. Essa multidão de insatisfeitos quer uma mudança que transforme o sistema. Trump prometeu realizá-la.

No entanto, parlamentares com medo de elevar a dívida pública vão garantir que as promessas de Trump de investir quantias recordes para modernizar as estradas, pontes, os portos e aeroportos americanos levem mais tempo para ser cumpridas do que o presidente espera e produzam um pacote menor que o prometido.

Além disso, o novo presidente não vai implementar seu plano mais ambicioso de reduzir os impostos sobre as empresas. Na realidade, o Congresso não vai realizar quase nada enquanto Trump e a liderança do Partido Republicano não encontrarem uma maneira de acabar com o programa de saúde de Obama de maneira digna, sem privar milhões de eleitores de seus planos de saúde –supondo que isso seja possível.

Trump vai gastar muito mais com o Pentágono, se bem que o dinheiro novo não vá modificar sua opinião de que as forças armadas americanas deveriam ser utilizadas exclusivamente para promover interesses de segurança e comerciais americanos estreitamente definidos.

O comércio internacional não vai voltar à pauta no futuro próximo. Os mega-acordos com parceiros asiáticos e europeus morreram. Acordos potenciais com o Reino Unido e o Japão levarão anos para ser negociados. Outros acordos são improváveis, pelo menos por enquanto.

Também é inevitável que, nos Estados Unidos assim como em outros países, mais empregos sejam perdidos em função de avanços na automação e do uso crescente de inteligência artificial nos locais de trabalho.

Um estudo feito pela universidade Ball State em 2015 constatou que foram a automação e fatores relacionados a ela, e não o comércio internacional, os responsáveis por 88% da perda de empregos manufatureiros. Além disso, a inteligência artificial está reduzindo o número de empregos no setor de serviços e mudando as habilidades exigidas para cada vez mais empregos no setor.

Mais de metade dos empregos no setor varejista podem ser perdidos, e é provável que dois terços dos empregos nos setores financeiros e de seguros desapareçam quando os computadores puderem entender a fala tão bem quanto os humanos, segundo o estudo. Esse poderá ser o maior obstáculo aos planos de Trump de levar empregos de volta aos eleitores de classe média e trabalhadora.

A frustração econômica fará dos EUA um ator internacional ainda menos previsível, porque Trump convenceu seus partidários de base de que atores externos –em especial a China e o México– são responsáveis por "roubar" empregos americanos e que alguns aliados dos EUA estão pegando carona de graça no apoio militar dos EUA.

Se a economia americana real continuar a gerar crescimento e riqueza sem empregos e se mais americanos de classe trabalhadora se sentirem deixados para trás, os bodes expiatórios de Trump vão tornar-se uma parte ainda mais importante de suas políticas externa e comercial.

Como se Donald J. Trump já não fosse suficientemente imprevisível.

Tradução de Clara Allain

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