Ilona Szabó de Carvalho

Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)

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Ilona Szabó de Carvalho

O grau de civilização de uma sociedade transparece em suas prisões, já dizia Fiódor Dostoiévski. Julgue você mesmo o estado do nosso país. O ano de 2018 começou com novos episódios brutais da crise carcerária brasileira, dessa vez em Goiás e no Ceará.

O Brasil tem 726 mil presos, com deficit de 358 mil vagas. Em 2000, eram 232 mil detentos. O aumento de 212% nos levou ao terceiro lugar em população carcerária no mundo, atrás dos Estados Unidos e da China. Resolver essa crise é tarefa central para diminuir a criminalidade no país.

As principais organizações criminosas brasileiras nasceram e se fortaleceram dentro dos presídios. A situação atual poderia ter sido evitada se nossas autoridades não tivessem sido negligentes e irresponsáveis. Se antes rebeliões aconteciam por melhores condições, hoje ocorrem também por disputas pelo controle do sistema penitenciário e da prática de crimes a partir dele. O objetivo central das prisões é reduzir o crime, mas isso não tem ocorrido por aqui.

A população brasileira se divide. De um lado, apatia e do outro, variantes do discurso "bandido bom é bandido morto". Mas não se iludam: todos pagamos essa conta. Por mais que a sede de vingança esteja em voga, prisões e penas maiores não são as únicas respostas possíveis ao crime. Em muitos casos, tampouco as mais eficazes. Há diversas formas de punir, e a pena precisa ser proporcional ao delito. A privação da liberdade é o último recurso. Em criminologia sabe-se que a certeza da pena é muito mais relevante do que o tamanho da mesma.

Para resolver a crise, a Justiça precisa ser muito mais rápida e reduzir drasticamente o contingente de presos que aguardam julgamento, cerca de 40% do total. Outros modelos penais têm dado resultados positivos e precisam ser priorizados. É o caso da justiça restaurativa e das Apacs (Associação de Proteção e Assistência a Condenados), modelo humanizado de prisões que têm índice de reincidência de cerca de 10%, o que contrasta com índices superiores a 60% em prisões comuns. Além disso, é necessário que se invista em medidas alternativas à prisão para crimes de menor potencial ofensivo e cometidos sem violência, e no fortalecimento dos programas de liberdade assistida para adolescentes em conflito com a lei.

Como defendi em minha última coluna, para diminuir o poder e o lucro das organizações criminosas e retomar o controle sobre os presídios, nossa lei de drogas precisa ser atualizada. Os crimes relacionados às drogas são os que mais levam pessoas às prisões, somam 26% dos homens e 62% das mulheres presas. Insistimos em criminalizar usuários e a punir de forma desproporcional pessoas do baixo escalão da cadeia do tráfico de drogas, como as chamadas "mulas", que cometem atos sem violência.

Garantir que quem entra no sistema tenha a chance real de reabilitar-se também é fundamental. Para tanto, investir na infraestrutura de presídios e proporcionar trabalho e estudo para presos é chave, considerando que 75% da população carcerária não chegou ao ensino médio. Beneficia a todos promover a integração dessas pessoas à sociedade. O setor privado tem importante papel em aumentar a oferta de vagas destinadas a ex-detentos.

Quero deixar um país mais civilizado para minha filha. Estou certa de que você quer o mesmo para os seus. Deixo aqui essas provocações para sua reflexão.

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