Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e em Pequim. Na coluna, fala sobre relações internacionais, com atenção especial ao Oriente Médio. Escreve às segundas, a cada duas semanas.
Xi, Trump e cabeleiras
Em meio a debates nevrálgicos sobre os laços entre Washington e Pequim, um tema de suma irrelevância emerge: estilos capilares do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, e Xi Jinping. O presidente chinês e seus pares no Politburo, núcleo do poder no Partido Comunista, já frequentaram análises sobre suas cabeleiras, com destaque para a tintura preta monocromática, a expulsar fios grisalhos.
Sedentos por sinais da hermética política palaciana chinesa, sinólogos ocidentais sustentaram a tese maluca de o padrão de tingimento refletir falta de individualidade nos meandros do maior partido político do planeta, com mais de 80 milhões de filiados. Subestimaram a ideia de um mero modelo estético.
Do outro lado do oceano Pacífico, o estilo capilar Trump não vai ditar tendências a integrantes da Casa Branca. Mas o futuro governo norte-americano cultiva robusto potencial para aumentar as dores de cabeça para Xi Jinping, já desafiado no plano doméstico por mudanças oriundas sobretudo de Hong Kong.
A China, com seu crescimento econômico trepidante das últimas décadas, desponta como uma das principais beneficiárias da globalização e, por isso, teme ventos protecionistas vindos de Estados Unidos e Europa.
Enquanto novas classes médias surgiram em plagas asiáticas, setores das classes médias norte-americana e europeia empobreceram, principalmente depois da crise financeira global de 2008.
Demonizar o milagre chinês rende votos, como Donald Trump demonstrou em sua campanha. Ameaçou taxar em 45% produtos importados da China, sinalização preocupante de guerra comercial.
Xi Jinping já havia soado o alerta sobre o risco da maré protecionista. Ao receber em setembro, a reunião do G-20, convescote das maiores economias do planeta, insistiu na necessidade de uma "globalização inclusiva", ou seja, de serem levados em conta anseios de classes médias norte-americana e europeia castigadas por desemprego e perda de renda, nos últimos anos.
Xi Jinping, na semana passada, telefonou a Trump, a fim de parabenizá-lo pela vitória, e sentenciou que "cooperar é a única opção" entre EUA e China. O recado implícito é desarmar guerras comerciais e, ao menos, preservar o ritmo tíbio de crescimento da economia global.
A desaceleração econômica internacional e da China representaria um golpe duro para Xi Jinping e o Partido Comunista, que se apresentam como garantidores da ascensão iniciada em 1978 e responsável por fazer o gigante asiático abandonar a condição de país empobrecido e isolado para o status de potência global, com notável musculatura política, econômica e militar.
Ao quadro externo, somam-se crescentes desafios domésticos, simbolizados, por exemplo, na chegada ao Parlamento de Hong Kong de deputados cuja reivindicação central coloca em xeque a relação da região com Pequim. Os jovens parlamentares, eleitos em setembro, defendem a independência da ex-colônia britânica, devolvida à China em 1997.
O próximo ano promete ser desafiador para Xi Jinping. Segundo analistas fascinados por temas capilares, o presidente chinês deve reforçar o tingimento, a fim de enfrentar potenciais novos cabelos brancos.
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