Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Jaime Spitzcovsky

Giro de Trump em direção à Rússia representa incógnita

Donald Trump, pródigo em zigue-zagues nos sinais sobre sua política externa, apresenta rara coerência ao falar de Vladimir Putin. O presidente americano promete estancar a ressurreição da Guerra Fria, hoje em fase adiantada, e fala em se aproximar do Kremlin, em movimento cujos alicerces ainda não estão claros.

Um mistério recai sobre a motivação de Trump. Seria a "détente" com a Rússia fruto de uma visão estratégica, apoiada na importância de diminuir as rusgas entre Casa Branca e Kremlin, ou sobretudo uma moeda de troca para arrancar concessões do establishment em Washington, de países europeus e de mandarins em Pequim?

O flerte de Trump com o putinismo também provoca incertezas no governo chinês. Ao ensaiar a aproximação com o Kremlin, o novo presidente dos EUA sinaliza aliança com potencial para sabotar os laços entre Rússia e China, fortalecidos nos últimos anos. Russos e chineses se aproximaram como resposta a pressões de Washington, provocadas por crises como o conflito na Ucrânia e disputas no mar do Sul da China.

Se a aproximação com a Rússia arquitetada por Trump estiver apoiada em visão estratégica, Washington e Moscou deverão, por exemplo, construir políticas conjuntas para combater o Estado Islâmico e buscar saída negociada para a guerra da Síria.

Outro vetor de uma nova política bilateral teria a Europa como palco. Trump trabalharia para amenizar sanções à Rússia pelo conflito na Ucrânia e para esvaziar o papel da Otan, a aliança militar criada pelos EUA, na Guerra Fria, para enfrentar a URSS.

Um enfraquecimento da Otan preocupa países europeus habituados a contar com o guarda-chuva da proteção militar americana.

No entanto, Trump pode promover uma aproximação com a Rússia mais modesta, para, em troca, arrancar concessões de políticos em Washington, de aliados europeus ou do governo chinês, descrito como o "grande inimigo comercial".

Trump ainda não mostrou se prevalecerá o perfil de negociante ou de estrategista. Desvendar tal enigma corresponde a uma chave fundamental para compreender o norte, nos próximos anos, do presidente da maior potência do planeta.

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