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joão pereira coutinho

 

27/02/2012 - 02h23

A dama de ouro

DE SÃO PAULO

Meryl Streep recebe o Oscar de melhor atriz por "A Dama de Ferro", batendo Michelle Williams em "Minha Semana com Marilyn". Nunca esperei ver isto: o dia em que Hollywood preferiria Margaret Thatcher a Marilyn Monroe.

Verdade que não havia alternativa: "A Dama de Ferro" é Meryl Streep do princípio ao fim. De tal forma que, a meio do show, já não sabemos se é Meryl Streep quem interpreta Margaret Thatcher ou se a própria Thatcher tomou conta da tela e mandou Streep para casa.

Mas a vitória não é apenas artística. Espero. Quero acreditar que é também o reconhecimento possível, embora tardio, de um dos nomes mais importantes do século 20. Comparável a Churchill na política mundial?

Sem dúvida. O velho Winston esteve certo, desde o início, sobre a ameaça nazista na Europa e a necessidade de a enfrentar e derrotar sem compromissos de qualquer espécie. Foi a sua batalha solitária durante toda a década de 1930, perante o silêncio (e o riso) da "intelligentsia" britânica.

Margaret Thatcher também conheceu esse silêncio - e esse riso. Não apenas por ser mulher num mundo de homens (também). Mas porque havia na elite política britânica duas ideias que era heresia contestar.

A primeira ideia lidava com a natureza alegadamente imperecível do regime comunista. Para que afrontar Moscovo, perguntavam os iluminados da época, quando a "cortina de ferro" que descera sobre a Europa estava para durar?

Thatcher nunca comprou essa versão: uma ditadura inumana, como a comunista, teria que ser derrotada por uma mistura de diplomacia agressiva e por uma corrida armamentista que a União Soviética não conseguiria, como de fato não conseguiu, suportar. Thatcher chegou ao poder em 1979. Em 1989, dez anos depois, caía o Muro de Berlim.

Mas Thatcher esteve igualmente certa ao confrontar uma segunda ideia que, desde 1945, era intocável para trabalhistas ou conservadores: a ideia generosa de que o Estado poderia crescer indefinidamente, substituindo (ou "complementando") as forças "incontroláveis" do mercado.

Thatcher nunca participou na fantasia: a estatização da economia britânica não conduzira apenas o país à triste estagnação em que ele se encontrava na década de 1970. Seguindo o raciocínio do economista austríaco Friedrich Hayek, uma das suas referências intelectuais, o crescimento incontrolado do Estado era uma ameaça à própria liberdade individual. Thatcher empenhou-se, como nenhum outro político britânico depois da Segunda Guerra, em reverter esse crescimento.

A juntar a tudo isso, convém recordar a desconfiança de Thatcher face ao projeto federalista europeu. Não que a premiê fosse hostil a uma comunidade econômica de nações livres. Desde que essa comunidade não fosse uma ameaça para a soberania - política, econômica, monetária - dos seus membros.

Hoje, com a Europa a arder por causa de uma moeda comum totalmente utópica e insustentável, o euroceticismo de Thatcher, que na verdade a liquidou politicamente em 1990, é mais uma prova da sua clarividência.

Regresso ao início: Margaret Thatcher venceu Marilyn Monroe? Depende da perspectiva. François Mitterand, antigo presidente francês, deixou para a posteridade a melhor caracterização de Maggie: "Ela tem os olhos de Calígula e os lábios de Marilyn Monroe".

Pensando melhor, Marilyn também teve uma vitória na noite de ontem em Hollywood.

Wanda Visión/Efe
Meryl Streep, vencedora do Oscar de melhor atriz, interpreta Margaret Thatcher em "A Dama de Ferro"
Meryl Streep, vencedora do Oscar de melhor atriz, interpreta Margaret Thatcher em "A Dama de Ferro"
joão pereira coutinho

João Pereira Coutinho, escritor português, é doutor em Ciência Política. É colunista do 'Correio da Manhã', o maior diário português. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro 'Avenida Paulista' (Record). Escreve às terças na versão impressa e a cada duas semanas, às segundas, no site.

 

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