Jorge Coli

Professor de história da arte na Unicamp, autor de “O Corpo da Liberdade”.

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Jorge Coli

Novo 'Star Wars' é uma adequação da saga à sensibilidade contemporânea

Crédito: Divulgação
Mark Hamill como Luke Skywalker em 'Os Últimos Jedi'

As guerras estão cansadas, e as estrelas também. Esvaiu-se a energia vital da violência, e a medonha figura paterna (Vater, Father, Vader) reduziu-se a um capacete irrisório, a um assessório hipster de um jovem atormentado por seus fantasmas. Esse capacete, num gesto simbólico, será jogado fora como traste sem serventia.

Nas velhas cosmogonias, os primeiros deuses foram destronados por seus filhos. Júpiter instaurou a ordem da nova corte celeste depois de destronar Saturno. Em tempos letárgicos, no entanto, a anemia moral atinge também os heróis que se revoltam contra os pais poderosos.

É assim que Luke Skywalker atira para longe o sabre luminoso, essa arma alegórica do sexo masculino, capaz de projetar um jorro aceso. Automutilação de um guerreiro que as galáxias exauriram.

"Star Wars: Os Últimos Jedi" foi escrito e dirigido por Rian Johnson. A longa saga, que nasceu em 1977, sofreu uma guinada. É compreensível que os estelobelífilos, com perdão do neologismo, fiéis ao espírito original, sintam-se traídos e odeiem o novo filme. Resta saber se a substância primeira criada por George Lucas pode existir nos dias de hoje.

A resposta é simples: não pode. Johnson atualizou "Star Wars". É um episódio de transição, mas é marcante. Se houve um antes, o depois deverá alterar sua essência.

Seria difícil imaginar o próximo, a ser dirigido por J. J. Abrams, voltando atrás e retomando as pulsões masculinas de extermínio. Em todo caso, não é essa a inflexão que o atual propõe, nem o caminho que indica. "Star Wars" banha-se na luz de um western crepuscular.

Sinais exteriores se manifestam, bem claros. Chewbacca, ao assar um porg (avezinha alienígena adorável), é culpabilizado pelo olhar triste de outro. A cena cai como uma luva para estes nossos tempos vegetarianos, veganos, inundados pelo neossentimentalismo que animais e natureza agora despertam.

Outro aspecto é a importância dada às minorias raciais. Não às de alienígenas bizarros, com cara de anfíbio ou de lampreia. Essas continuam em seus papéis de figuração. Mas às minorias próprias ao mundo ocidental.

No filme anterior, "O Despertar da Força", de Abrams, surge Finn, vivido pelo ator John Boyega. O personagem era um stormtrooper (soldado que veste armadura branca e luzidia, expressão de uma desumanidade cega e obediente) que, como se dizia dos idos de 1968, teve uma tomada de consciência. Passou para o lado do bem.

Finn é negro. Não é o primeiro na série, mas foi salvo por Rose, interpretada por Kelly Marie Tran, atriz de origem vietnamita. Há um envolvimento afetivo entre os dois.

Outras modificações, mais consideráveis, podem ser detectadas pelas fissuras no maniqueísmo, fundamento essencial de "Star Wars".

Kylo Ren, o novo vilão, está bem longe de possuir a maldade sedimentada de Darth Vader. Com seu aspecto de Hamlet pós-moderno, torturado, raivoso, mas hesitante, é incapaz de levar sua crueldade ao extremo de matar a própria mãe. Ele atrai um público feminino jovem e romântico —inabitual e novo entre os fãs de "Star Wars".

Outro caso é o do trapaceiro DJ, que surgiu na pele de Benicio Del Toro. DJ, conta o dicionário da saga, significa "Don't Join", ou seja, não tome partido. É um bandido simpático e cínico diante de ideais. Demonstra que os traficantes de armas, divertindo-se num cassino luxuoso, negociam tanto com o exército "do mal" quanto com o "do bem".

Kylo Ren e DJ são os personagens mais marcantes. Os outros todos, menos elaborados, parecem antes sombras exangues, sem vitalidade, correspondendo ao declínio dos antigos valores que propulsavam batalhas.

A mais forte adequação do novo episódio à sensibilidade contemporânea parece-me estar na predominância das generais republicanas. São senhoras que não abdicam da feminilidade. Estão no oposto de uma Furiosa, a heroína de "Mad Max: Estrada da Fúria", e de sua adesão às convenções dos valores e da violência masculina. Elegantes, bem penteadas, usam vestidos vaporosos. Amáveis e sábias vovós.

O diretor chega ao ponto de escalar a atriz Amanda Lawrence como uma das comandantes secundárias —seu rosto não corresponde às convenções esperadas de beleza. Elas preferem estratégias de prudência e buscam comedir a embriaguez do heroísmo jovem e das proezas audazes. Infantilizam os destemidos como meninos desobedientes.

A tática feminina nesse filme é a do autossacrifício para o bem comum. O martírio torna-se melhor do que a luta.

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