José Luiz Portella Pereira, 60, é engenheiro civil especializado em gerenciamento de projetos, orçamento público, transportes e tráfego. Foi secretário-executivo dos Ministérios do Esporte e dos Transportes, secretário estadual dos Transportes Metropolitanos e de Serviços e Obras da Prefeitura de São Paulo e presidente da Fundação de Assistência ao Estudante. Formulou e implantou o Programa Alfabetização Solidária e implantou o 1º Programa Universidade Solidária. Escreve às quintas-feiras.
As duas lentidões da cidade
Como o colesterol, há uma lentidão boa e outra ruim.
A ruim todos conhecem: o mar de veículos parados nas vias públicas. Que gera ansiedade e desconforto. O trânsito, que é um dos maiores motivos de sofrimento dos cidadãos.
A boa é de difícil absorção. Ela vai de encontro (contra) à lógica que estamos acostumados. E quando temos que pensar fora da caixinha, a coisa complica.
Em ótima matéria no caderno O Globo Amanhã, 26/11, Bolívar Torres vai ao ponto. Ele abre o texto mostrando que a implosão do elevado da Perimetral, no Rio, derrubou um símbolo da antiga filosofia: as cidades fluidas e aceleradas. Planejadas para o carro. Uma mentalidade que nos anos 60 e 70 associou-se à liberdade.
Mentalidade não se forma de graça. Ela tem que estar ligada a um desejo mais profundo da sociedade. A um sonho.
Beth Santos/Prefeitura do Rio/Efe | ||
Implosão do primeiro trecho do elevado Perimetral, no Rio |
O sonho era deslocar-se velozmente contra o vento, sem lenço nem documento. Mas tudo tem o outro lado. Além de formatar a cidade para o carro, essa opção por vias rápidas isolava trechos da cidade que, aos poucos, abandonados, se degradavam. E assim ficaram por muito tempo.
Hoje, a perspectiva de um passeio na orla do Porto Maravilha (Rio), sem o elevado, é símbolo de recuperação de um espaço público bastante desejado.
Essa é a boa lentidão. Mover-se devagar, curtindo a cidade.
Mesmo assim, ainda é difícil, para as pessoas, compreender a transformação que deve acontecer. Elas precisam de outra mentalidade: do prazer de desfrutar, com calma, a cidade.
Isso só se concretiza com o conceito que está sendo chamado de "Nova Mobilidade". A cidade para pedestres e ciclistas. Uma nova velocidade mais adequada à dimensão humana.
Esse conceito não é novidade, mas ainda não foi incorporado. Há uma resistência. Ainda é visto com reservas ou como poesia.
Belo mas inaplicável.
Divulgação/Porto Maravilha | ||
Projeto Porto Maravilha |
A cidade tem e sempre terá seus conflitos. Muitos deles terão que conviver para sempre como uma aporia. Uma contradição que não se resolve.
Não é possível termos uma cidade só com espaços para pedestres. Em algum lugar, o transporte terá que se deslocar com fluidez.
Mas é possível ter bolsões. De dois tipos. Um em regiões mais amplas de domínio dos pedestres e das bicicletas, nas regiões mais afastadas do centro. Outro, em espaços menores, no centro expandido, onde se concentra o comércio. Calçadões mais amplos, quarteirões.
Para isso, é preciso fazer uma escolha radical: mudar a mentalidade. Sair do carro e chegar à pessoa.
Fácil de entender racionalmente, mas difícil de se processar, na prática. Porque a mudança de hábito e a quebra de tabu são gigantescas.
O desafio posto é este: queremos ou não uma cidade mais lenta que nos permita um desfrute maior?
Hoje, a qualidade de vida é um valor conquistado. Em todas as camadas sociais já se tem essa noção. As pessoas procuram aproveitar o que podem.
Mas, no dia a dia, espremidos e retidos pelo trânsito, não dá tempo de pensar que o desafio maior na verdade é outro.
Acreditar que a boa lentidão também seja benéfica ao coração.
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