Tem mais de 40 anos de profissão. É formado em ciências sociais pela USP. Escreve às segundas, quintas e domingos.
Ser ou não ser
José Trajano disse ontem, no "Linha de Passe" da ESPN Brasil, que os ares de Brasília e de Fortaleza tinham transformado este pobre colunista num conservador.
Tudo porque achei que a seleção brasileira evoluiu da estreia contra o Japão para a vitória sobre o México e por ter sido mais condescendente com o time do que o próprio técnico Luiz Felipe Scolari.
Talvez tenha sido mesmo, a julgar por tudo que ouvi, li e revi e pela generosidade de minhas notas comparadas às de meus companheiros.
Não me arrependo delas e, embora não tenha compromisso com o erro, as mantenho. E por quê?
Porque se futebol é, como se diz, o momento, minha avaliação sobre o que se passou no Castelão esteve, e de certo modo ainda está, influenciada pelo que se viveu lá. A começar pela constatação do bom ambiente da seleção como há muito tempo não se via.
Sem tensões desnecessárias e até relaxada, muito provavelmente porque sob a liderança segura de um treinador que, gostemos ou não dele, tem o respeito quase reverencial dos jogadores, visto como um vencedor capaz de levá-los a portos seguros.
Além disso, os acontecimentos pré-jogo fora do estádio e na execução do hino brasileiro foram de tamanha carga emocional que aqueles 20 minutos iniciais revelaram um futebol que até então não havíamos visto --e há muito tempo não víamos.
Tal constatação, somada ao gol já nos acréscimos para coroar a vitória, fruto da fabulosa jogada de Neymar, produziu minha opinião que não é ufanista nem, ao contrário do que disse meu querido e respeitado amigo Trajano, conservadora.
Tratou-se apenas de uma opinião feliz, por infeliz que possa ter sido --não sei se me faço entender.
"Odeio ser mal entendido", costuma dizer o caro Trajano. Somos dois, embora seja o que mais acontece devido ao analfabetismo funcional que nos assola por falta de escolas de padrão Fifa.
Melhor que o começo da apresentação --e se realizada uma vez pode se repetir a boa notícia que o gramado nos deu anteontem--, foi a torcida dizendo em brados, à capela, que o Brasil é nosso.
A voz do estádio somou-se à voz das ruas, e erra quem supõe que no gesto não havia solidariedade aos que estavam do lado de fora.
Não confundir a seleção com as misérias do país, ou com a CBF, é tão saudável como não ver o futebol como alienante. O povo não confundiu o tri de 1970 com a ditadura e não atribuiu a derrota de 2010 à democracia.
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