Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Juca Kfouri

Cinco duras Copas

O golpe faz 50 anos amanhã. A "revolução", depois de amanhã.

A primeira Copa do Mundo durante a ditadura brasileira foi disputada na Inglaterra, em 1966, sob o comando de João Havelange, hoje tão desgraçado como o golpe.

Não havia, como houve na Copa seguinte, no México, dúvida sobre torcer ou não pela seleção. Verdade que a lambança de Havelange foi tal ao levar um time envelhecido para a Europa que nem deu para torcer, seleção eliminada ainda na primeira fase.

Em 1970 foi diferente. Os milicos assumiram o comando da seleção e a vitória passou a ser essencial para o regime, que já torturava e matava sem cerimônia.

A esquerda resolveu torcer contra, mas não resistiu ao primeiro gol brasileiro, de Rivellino, o de empate contra a Tchecoslováquia.

A bobagem de imaginar que cada gol da seleção atrasaria a verdadeira revolução, como se a ditadura tivesse usurpado até os sentimentos mais íntimos de cada um, só era comparável à surpresa do gesto do tcheco Petras, autor do gol inicial, que se benzeu com o nome do padre, ajoelhado no gramado.

Se ali ainda houve motivo para comemorar o tento, afinal, dos comunistas, como explicar um "camarada" que nem era ateu?

Felizmente o empate e a goleada por 4 a 1 que o sucedeu tornaram desnecessária a polêmica filosófica e todos, da direita à esquerda, com Deus e a família, torcemos juntos pelo tricampeonato.

O povo não é e não foi bobo a ponto de confundir o general da tortura Médici com Pelé e companhia.

As três Copas perdidas que se sucederam na dividida Alemanha, na igualmente sombria Argentina e na recém democratizada Espanha, apresentaram duas seleções brasileiras altivas porém sisudas, em 1974 e 1978, e a mais alegre de todas, em 1982, como se um reflexo do processo de distensão lenta e gradual.

O time de Telê, Sócrates e Zico era, de fato, um convite à liberdade.

Não deixa de ser curioso rememorar como foram recebidas as seleções campeãs no período democrático, em 1958, 1962 –lembrando que JK e JG morreram cassados–, 1994 e 2002, para revisitar a recepção em 1970. Porque se, então, a ditadura incrementou as odiosas palavras de ordem do "ame-o ou deixe-o", em 1994 caiu o chefe da Receita Federal, vítima do voo da muamba da CBF e, em 2002, foi bizarro.

Porque imagine se tivesse sido um ditador que obrigasse a delegação pentacampeã a passar pelo Palácio do Planalto depois de 25 horas de viagem de Tóquio para cá e mais cinco horas no cortejo do aeroporto de Brasília até o beija-mão do presidente.

Acusaríamos como prova definitiva de desumanidade.

Mas aconteceu com o professor FHC...

Razão pela qual certo estava Vampeta, ao rolar bêbado pela rampa do palácio, porque ninguém é de ferro.

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