Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Juca Kfouri

Um tetra épico

Acabou a Copa que se imaginava um vexame fora dos estádios e uma apoteose brasileira dentro, com a consagração do hexacampeonato.

Deu-se exatamente o inverso.

A seleção brasileira registrou seu maior fiasco em cem anos de história e, embora a Copa do Mundo tenha sido, futebolisticamente falando, de grande qualidade, o legado esportivo que deixa é a tardia, e urgente, reforma de métodos de gestão na podre estrutura de poder da CBF e suas apaniguadas federações, com a tradicional cumplicidade dos clubes, todos, perdão, pelo chavão, farinhas do mesmo saco da corrupção e da incompetência.

Ganhou a Alemanha, exemplo de racionalidade em busca da excelência, capaz de em apenas 14 anos dar a volta por cima, retornar ao pódio sem jamais ter deixado de disputar as primeiras posições.

Chega ao tetra 24 anos depois de seu tri, a exemplo do que fizeram as seleções do Brasil e da Itália no mesmo espaço de tempo, com a diferença de tê-lo conquistado com bola em andamento, graças ao golaço de Götze no segundo tempo da prorrogação de um jogo épico no Maracanã, disputado palmo a palmo, com domínio germânico, melhores chances argentinas e um pênalti de Neuer em Higuaín não assinalado.

A Alemanha tem um timaço, repleto de craques, muitos mais que a aguerrida Argentina, cuja única andorinha não pode mais fazer verão nem lá nem em time nenhum do mundo, porque cada vez mais o futebol é coletivo e depende menos de individualidades, por melhores que sejam e por mais que sigam fazendo diferença.

Além do mais, a Alemanha dá o exemplo com seu futebol autossustentável fora de campo, com clubes que vivem dentro de seus orçamentos e investem nas categorias de base e com média de público de mais de 45 mil torcedores por jogo, com coragem para apostar num técnico jovem que batalha por um futebol não só vencedor como bem jogado.

Seria ruim, neste momento brasileiro, vermos uma vitória que os áulicos atribuiriam a alguém como

Julio Grondona, tão nefasto como os nossos cartolas.

De certa forma, o Maracanã acabou por viver outro Maracanazo, mas agora em castelhano. Porque foi desolador ver como ficaram os
hermanos em seu último tango no Rio.

Registre-se que, mesmo doloridos, os jogadores platinos permaneceram no gramado para a premiação, diferentemente do que fizeram os brasileiros no Mané Garrincha, falta de educação que repetiu a Olimpíada de Atlanta.

Messi foi o melhor da Copa para a Fifa, embora Robben tenha sido o melhor, para a coluna.
Por menos que os adeptos do quanto pior melhor queiram admitir, o Brasil, graças à simpatia popular e às suas belezas que encantam e cegam os estrangeiros, também ganhou.

Fez um bom anúncio de si mesmo, mesmo que não possam ser relevados os aspectos não considerados pelos que vieram de fora: elefantes brancos que ficarão como heranças pesadas, superfaturamentos, mortes de trabalhadores nos estádios ou embaixo de viadutos, feriados para minimizar congestionamentos, desocupações desumanas, falta de iluminação no jogo de abertura, invasão de torcedores no Maracanã, prisões arbitrárias para evitar manifestações, shows pífios de abertura e encerramento, enfim, o rebaixamento, como vingança, do tal padrão Fifa, por mais que, de fato, os estádios sejam belos e confortáveis.

Aspectos para nós, brasileiros, digerirmos daqui para a frente em relação aos megaeventos, que, no mínimo, devem passar por consultas populares, porque está claro que são muito bons para os que os promovem e não necessariamente para quem os recebe e paga por eles.

Porque não há maior exemplo de complexo de vira-lata do que se bastar com os elogios externos, mesmo que, muitas vezes, superficiais, quase folclóricos, influenciados pelo exotismo, por exemplo, das favelas.

Repita-se: o Brasil ganhou a 20ª Copa do Mundo da Fifa e ainda por cima prendeu gente dela que há décadas atenta contra a economia popular, um legado inestimável, exemplar, digno de ser aplaudido de pé assim como a hospitalidade nacional.

Nossa Copa foi muito melhor que a da África do Sul, mas não foi, como organização, melhor que a de 2006.

Claro, da Alemanha se espera perfeição, e a Alemanha esteve perto disso.

Do Brasil esperava-se uma catástrofe, e o Brasil ficou longe disso.

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