Tem mais de 40 anos de profissão. É formado em ciências sociais pela USP. Escreve às segundas, quintas e domingos.
Como ainda gostar de futebol?
Diego Padgurschi/Folhapress | ||
Neymar comemora o primeiro ouro olímpico do futebol brasileiro no Maracanã |
Voltar aos 12 anos.
Não tem outro jeito. Quando a bola começa a rolar no apito do árbitro, você tem de voltar a ser criança.
Porque todos fazem a mesma pergunta: "Como é que você pode continuar gostando de futebol se sabe de toda a sujeira dos bastidores?".
A resposta poderia sair pela tangente, pois paixão não se explica, se sente.
Há muito tempo a questão está posta. A sujeira é tanta, a manipulação é tamanha, que só mesmo um tonto para seguir apaixonado.
Só que não é bem assim, é muito mais que isso.
Conto um conto.
Em 1982, quando a revista "Placar" revelou a existência da Máfia da Loteria Esportiva, com quadrilhas espalhadas pelo país -125 denunciados, entre jogadores, cartolas, empresários- houve uma semana em que soubemos os resultados antecipados de uma porção de jogos.
Como esperar que acontecessem e depois dizer aos leitores que já sabíamos?
Não nos ocorreu a sacada de mestre de Janio de Freitas que, cinco anos depois, publicou, nos anúncios classificados desta Folha, com cinco dias de antecedência, o resultado da concorrência pública pela ferrovia Norte-Sul.
Os prognósticos da Loteca fechavam às quintas-feiras.
No dia seguinte procurei três brasileiros de indiscutível credibilidade, mostrei os resultados que conhecíamos numa folha de papel, pedi que assinassem e datassem e esperamos os jogos do fim de semana.
Dom Paulo Evaristo Arns, cardeal arcebispo de São Paulo, Mário Sérgio Duarte Garcia, que viria a presidir a OAB no ano seguinte e havia presidido a OAB-SP, Sócrates, então no Corinthians, mantiveram o segredo.
Pois não é que fui a um dos jogos que sabia manipulado na torcida para que o centroavante do time vendido impedisse a mutreta e arruinasse a informação que tínhamos?
Infelizmente, a informação prevaleceu.
A reportagem, do saudoso Sérgio Martins, acabou publicada em outubro daquele ano, um escândalo sem precedentes na história do futebol brasileiro, e marcou o fim da credibilidade da Loteria Esportiva.
Outros escândalos vieram em seguida e nem por isso o futebol deixou de ser apaixonante.
Fotomontagem | ||
Da esq. à dir., Ricardo Teixeira, Marco Polo Del Nero e José Maria Marin |
José Maria Marin está preso, Ricardo Teixeira e Marco Polo Del Nero impedidos de sair do país, João Havelange.
O FBI segue no encalço da FIFA.
Neymar está enrolado com a Justiça, Messi condenado por sonegação, e o futebol segue uma paixão.
Só mesmo se você voltar aos 12 anos... Afinal, ninguém deixa de gostar do Brasil por causa de corrupção endêmica e da desfaçatez dos governantes.
Mas seria muito bom se você não aplaudisse gol de mão de seu time, se deplorasse o dinheiro nebuloso para contratações, e não votasse em político ladrão.
Porque se uma criança de 12 anos não sabe nada disso e fica feliz com a vitória do time, você que sabe não deveria, ao menos, ser conivente.
O que não impede o olhar romântico, o auto-engano, cada vez que a bola começa a rolar.
Quem sabe um dia, depois de muitos escândalos, haja quem possa gostar de futebol com a idade que tem.
Neste dia, que certamente não verei, lembre-se dos que denunciaram a podridão sem esquecer a paixão.
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