Tem mais de 40 anos de profissão. É formado em ciências sociais pela USP. Escreve às segundas, quintas e domingos.
Dopar, no Brasil, pode. O que não pode é descobrir o doping
Christinne Muschi/Reuters | ||
Prédio da Wada (Agência Mundial Antidoping), em Montreal, no Canadá |
ABCD é a sigla da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem.
Criada em 2011 para o país se habilitar na área durante a Copa do Mundo de 2014 e para Rio-2016.
O Ladetec, o laboratório até então usado, teve problemas de conformidade e foi suspenso pela Wada, a organização mundial antidopagem, em 2013.
Como o laboratório não conseguiu ser credenciado em tempo, os exames da Copa foram feitos na Suíça.
Em maio de 2015, depois de um investimento de mais de 180 milhões de reais, o Brasil recebeu o credenciamento e fez os exames na Olimpíada.
Mas, no fim de 2016, aconteceu nova suspensão.
A ABCD nunca teve vida fácil entre a cartolagem nacional, avessa aos exames de surpresa, prática internacional.
Basta dizer que o nadador Michael Phelps, cinco ouros no Rio, fez nada menos de 30 exames fora de competições nos dois anos anteriores à Olimpíada e, em 2013, a ABCD fez levantamento entre 4.995 participantes do Bolsa Atleta, os melhores do país: 83% jamais haviam sido testados no país.
No último sábado (10), a TV alemã ARD, a mesma que denunciou amplo esquema de dopagem na Rússia e que redundou na exclusão dos atletas russos na Rio-2016, levou ao ar uma reportagem de 42 minutos que revela como o doping corre solto no Brasil. O documentário pode ser visto em meu blog no UOL, do Grupo Folha.
O médico Júlio César Alves, de Piracicaba, reaparece, agora para o mundo, como o responsável por atender dezenas de atletas que, sob sua orientação, se valem de métodos proibidos para ganhar mais força e para ludibriar os exames.
Reaparece porque, em 2013, em reportagem de Roberto Salim, a ESPN Brasil já o havia apresentado ao país, quando ele denunciou a hipocrisia das autoridades esportivas nacionais no trato do tema, algumas delas assalariadas de federações e confederações, expediente proibido pela Wada e um dos motivos para os descredenciamentos.
Para não falar da permanente influência política, em assunto que deveria ser apenas técnico, de cartolas como o médico gaúcho Eduardo de Rose, desligado do Wada.
Em 2015, a ABCD apresentou relatório ao Ministério Público paulista onde, com confissões de atletas clientes de Alves, fica evidente a prática irregular. Nada aconteceu.
A reportagem da TV alemã mostra como são feitos os exames em nosso futebol ao filmar a presença de estranhos na sala de antidopagem, com a sigla da CBF, depois do jogo Palmeiras e Novorizontino, no Pacaembu. Até pizza é servida no recinto.
Ouve ainda o especialista português, ex-consultor da ONU e durante dois anos a serviço da ABCD, Luís Horta, que diz, textualmente: "O COB se preocupa em ganhar medalhas, medalhas e mais medalhas e não se interessa se elas serão medalhas limpas".
A TV alemã suspeita até da lisura do pentacampeonato de futebol porque, segundo o médico Alves, o então lateral-esquerdo Roberto Carlos, foi seu cliente, coisa que o ex-atleta nega com veemência, embora haja ao menos uma testemunha que diga tê-lo visto no consultório.
Tanto ele, como o COB, a CBF e o Ministério do Esporte se recusaram a falar com a equipe de reportagem germânica.
Ficará por isso mesmo?
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