Laura Carvalho é professora do Departamento de Economia da FEA-USP com doutorado na New School for Social Research (NYC). Escreve às quintas-feiras.
Momento Frenkel
É verdade que desvalorizações do câmbio têm péssimas consequências imediatas. Com exceção de 2008, em todos os anos em que o real se desvalorizou desde o início do regime de metas de inflação em 1999, a taxa de inflação atingiu ou superou o teto da meta.
Isso ocorre por duas razões. Primeiro, porque o aumento do custo com insumos importados é repassado para outros preços da economia.
Segundo, porque, ao tornar mais baratos os produtos nacionais em relação aos estrangeiros, a desvalorização dá uma oportunidade para a elevação de preços sem a perda de competitividade. Com a inflação mais alta, os salários perdem poder de compra, desacelerando o consumo das famílias.
A desvalorização também eleva dívidas em dólar de empresas e encarece máquinas e equipamentos importados, com possíveis repercussões negativas sobre o investimento.
Mas se desvalorizar é péssimo, sobrevalorizar também é. Quando o real está muito apreciado, os produtos nacionais ficam mais caros em relação aos estrangeiros e a indústria doméstica perde participação no mercado externo (o que reduz as exportações do país) e no mercado interno (pela compra maior de importados).
Além de tal acúmulo de deficits comerciais poder levar às velhas crises de balanço de pagamentos, o desmantelamento das cadeias industriais nacionais prejudica a trajetória de crescimento da economia no longo prazo.
Diante do que é, então, um dos maiores dilemas da política econômica, o economista argentino Roberto Frenkel costuma alertar que a melhor forma de evitar os tais custos de se desvalorizar o câmbio, é nunca deixá-lo apreciar além da conta.
O Brasil errou três vezes nesse quesito nos últimos tempos. Errou primeiro quando optou nos anos 2000 por manter as altas taxas de juros para atrair capital estrangeiro, sobrevalorizar o câmbio e ancorar dessa forma a inflação, acentuando assim os problemas de competitividade da indústria.
Errou também quando não soube aproveitar a desvalorização gerada pela crise internacional de 2008 para manter o câmbio em um patamar mais competitivo nos anos seguintes.
Ao contrário, o real apreciou ainda mais com a ajuda da política monetária expansionista dos demais países.
Finalmente, errou em 2011 quando tentou resolver o problema da sobrevalorização reduzindo a taxa de juros de forma demasiado brusca e provocando assim uma desvalorização rápida.
A inevitável aceleração da inflação acabou levando o Banco Central a elevar os juros novamente, e o governo passou a buscar outras formas de resgatar a competitividade da indústria, recorrendo às desonerações tributárias e ao crédito subsidiado, que aliás revelaram-se demasiado custosas para o orçamento.
Arcamos então com os malefícios da desvalorização, sem, no entanto, esperar os benefícios, que inclusive já seriam reduzidos pela queda no comércio mundial oriunda da crise europeia.
Dada a pouca capacidade que o Banco Central vem tendo de controlar a alta do dólar, passamos agora por mais um período que ouso chamar de momento Frenkel.
Se os custos de desvalorizar virão de todo jeito, melhor seria resistir pela primeira vez à tentação de elevar juros e queimar reservas, para, quem sabe, colher os benefícios de um câmbio competitivo no futuro.
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