Laura Carvalho é professora do Departamento de Economia da FEA-USP com doutorado na New School for Social Research (NYC). Escreve às quintas-feiras.
A corrida dos caranguejos
Muito se fala sobre a pujança da economia brasileira nos anos 2000, que passou de uma taxa anual de crescimento de 2,2% nos anos 1980 e 1990 para 3,4% entre 2001 e 2014. Mas estivemos muito bem acompanhados nessa trajetória.
A taxa anual de crescimento da América Latina como um todo aumentou de 2,5% entre 1980 e 2000 para 3,5% entre 2001 e 2013, ao mesmo tempo em que o resto do mundo desacelerava. A última década também foi marcada pela redução nos níveis de desigualdade e crescimento do nível de emprego formal na região, na contramão do que ocorreu nos países ricos.
Algumas explicações para essa experiência atravessam as fronteiras nacionais. O crescimento acelerado da demanda por aquilo que exportamos é a primeira delas. Exceto no ano da crise de 2008, a demanda maior (em especial chinesa) pelas chamadas commodities teve impacto positivo no preço desses produtos desde 2003, beneficiando muito as economias latino-americanas.
Mas foi também na virada dos anos 1990 para os anos 2000 que candidatos de centro-esquerda foram eleitos em vários países da região. As políticas redistributivas, que resultaram na redução das disparidades salariais e na expansão do mercado interno, também ajudaram essas economias, ainda que temporariamente.
O fato é que, independentemente dos erros de política econômica em cada país –difícil saber onde estão os mais grosseiros–, esse processo não se sustentou.
Primeiro, a maior arrecadação tributária e o menor grau de restrição externa, facilitados pelo boom de commodities, contribuíram para criar o espaço necessário para uma redistribuição de renda feita na margem, ou seja, evitando o conflito com as estruturas que reproduzem o poder do 1% mais rico da população.
No Brasil, essa redistribuição fundou-se em políticas de transferência de renda e de reajustes maiores no valor real do salário mínimo, evitando, por exemplo, uma reforma tributária progressiva ou mudanças institucionais no tripé macroeconômico. Esse processo tem limite.
O crescimento dos setores de serviços nessas economias, muito intensivos em trabalho e marcados por menores ganhos de produtividade, contribuiu para acirrar conflitos distributivos e acelerar a taxa de inflação. Encerrada a alta das commodities em 2011 e a apreciação cambial a ela associada, ficou impossível reconciliar salários maiores com a estabilidade de preços.
Por outro lado, essa mesma apreciação cambial minou a competitividade da indústria, contribuindo para uma deterioração da balança comercial, que é desmascarada quando os preços das commodities iniciam trajetória de queda.
Os países latino-americanos poderiam ter optado por encarar os conflitos mais acirrados, usando as receitas de uma reforma tributária progressiva para investir em infraestrutura física e social, por exemplo.
Na mesma semana que começou com a eleição de Macri na Argentina, os dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) indicaram que a taxa de desemprego brasileira atingiu 8,9% –a maior desde o início da pesquisa, em 2012. A julgar por seu programa, o novo governo argentino pode até superar a velocidade de Dilma Rousseff, no seu segundo mandato, na reversão das conquistas salariais e de emprego da última década.
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