Laura Carvalho

Professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, autora de "Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico".

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Laura Carvalho

Rebaixamento de nota da S&P agora agrada a analistas

Crédito: Henny Ray Abrams/AP Photo Sede da agência de classificação de risco Standard & Poor's, em Nova York
Sede da agência de classificação de risco S&P, em Nova York

No primeiro rebaixamento por uma agência de classificação de risco desde o início do governo Temer, a S&P reduziu, na quinta (11), a nota de crédito da dívida do Brasil de BB para BB-, colocando-a três degraus abaixo do grau de investimento.

Em sua justificativa, a S&P chamou a atenção para "o fraco apoio da classe política do país para implementar uma legislação significativa para corrigir em tempo hábil a piora fiscal".

Curiosamente, a notícia foi recebida com relativa tranquilidade no governo e até algum otimismo entre analistas econômicos. No título de uma notícia do UOL, leu-se: "S&P faz favor ao governo e pressiona Congresso por reforma, dizem analistas".

O deficit elevado, a dívida fora de controle e a recuperação lenta da economia parecem não ter mais nenhuma importância diante do que se tornou o centro do debate econômico no país: uma reforma da Previdência cuja economia gerada não seria sequer suficiente para viabilizar o cumprimento do teto de gastos públicos no ano que vem.

Mas a tolerância maior e a consequente mudança de foco não se deram apenas entre analistas econômicos brasileiros, mas também na atuação das agências de classificação de risco.

Mesmo com a revisão das metas fiscais dos próximos quatro anos —que adiaram para 2021 qualquer previsão de superavit—, a própria S&P havia optado em agosto do ano passado por manter a nota do Brasil, enfatizando "o cenário político (...) um pouco mais estável".

O aumento do deficit primário de 1,9% para 2,5% do PIB entre 2015 e 2016 também não tinha causado rebaixamento.

"A atual nota de crédito reflete a visão de que as instituições políticas do Brasil estão consolidadas e oferecem uma base importante para a estabilidade econômica, apesar de as investigações de corrupção, que atingem nomes do alto escalão político e companhias públicas e privadas, agravarem as incertezas de médio prazo", justificou a S&P em fevereiro de 2017.

O governo Dilma não contou com a mesma paciência. Antes mesmo do início da crise, em março de 2014, a nota do Brasil caiu de BBB para BBB-.

"Os sinais ainda não são claros quanto às políticas que serão utilizadas para estabilizar a situação fiscal (...). Será difícil atingir a meta de superavit primário de 1,9% sem que se recorra, em nossa visão, a ajustes pontuais", informou a S&P.

Os vultosos cortes no Orçamento na gestão de Joaquim Levy na Fazenda tampouco serviram para evitar a perda de grau de investimento, em setembro de 2015. Na justificativa para a redução da nota de BBB- para BB+, a S&P culpou "a falta de coesão" na equipe de Dilma.

"O corte da nota de crédito apenas tornou oficial uma situação já estabelecida na prática: aos olhos dos investidores, o Brasil se tornou um país pouco confiável, algo tão vexatório quanto preocupante", reagiu esta Folha em editorial.

Menos de seis meses se passaram até que a nota caísse de BB+ para BB: "Agora nós esperamos um processo de ajuste mais prolongado, com uma correção mais lenta na política fiscal e mais um ano de contração da economia", justificou a S&P em fevereiro de 2016, dois meses antes da votação do impeachment na Câmara.

A percepção de que as notas de crédito refletem apenas os consensos parciais e incoerentes dos agentes de mercado só surpreende quem não acompanhou a crise de 2008 e as multas bilionárias que tiveram de ser pagas por essas agências ao Tesouro americano.

Que a imprensa e os governos continuem guiando-se por esses consensos é que é algo tão vexatório quanto preocupante.

Crédito: Editoria de arte/Folhapress

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