Jornalista, mestre em filosofia e autor do "Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil", entre outros. Escreve às quartas.
Caso da tatuagem na testa toca na contradição da natureza humana
Reprodução | ||
Jovem tem testa tatuada após ser acusado de roubo em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo |
A história do rapaz suspeito de roubo que foi tatuado na testa suscita duas perguntas opostas: por que o ser humano é tão mau? Por que o ser humano é tão bom?
Vimos dois homens praticando uma atrocidade com alguém que mal tinham certeza se era um ladrão. Mas logo em seguida milhares de pessoas arrecadaram o dinheiro necessário para remover a tatuagem do adolescente.
Do ponto de vista estritamente econômico, as duas ações parecem irracionais. Para castigar alguém é preciso gastar tempo e dinheiro, e o autor do castigo ainda fica vulnerável a retaliações. Já quem contribuiu para a vaquinha da remoção da tatuagem não vai ganhar nada em troca —provavelmente o rapaz mal vai conhecer todos os seus apoiadores.
O interessante é que uma pergunta responde a outra. O ser humano é mau porque é bom. Somos vingativos e violentos justamente porque somos gregários e cooperativos.
Uma grande descoberta das últimas décadas, nos estudos de evolução do comportamento humano, é que entre nós imperou a lei do mais cooperativo. A tendência humana à cooperação, ao altruísmo e à compaixão foram vantagens evolutivas.
Não era muito recomendável, no Paleolítico, andar sozinho pela savana. O indivíduo seria facilmente morto por animais ou tribos inimigas. Participar de um grupo dava mais segurança e ainda possibilitava entrar no "big game", a caça de grandes animais. Ganhou o páreo da evolução quem tinha medo de ficar sozinho ou de ser rejeitado pelo grupo e quem tendia ao altruísmo e à compaixão. Por reciprocidade, gente assim teria mais chances de receber ajuda e comida no futuro.
Mas a cooperação não favoreceu só emoções fofas. Como explicou o psicólogo Robert Trivers, no clássico estudo "The Evolution of Reciprocal Altruism", de 1971, a cooperação deu impulso à "agressão moralista", ou seja, tendência a se indignar e castigar quem não coopera, finge cooperar ou age contra as normas do grupo. "Boa parte da agressão humana tem motivações morais. Injustiça e falta de reciprocidade com frequência motivam raiva e agressão", escreveu Trivers.
Se todos da tribo saem para coletar frutos e à noite dividem o resultado, ganha vantagem quem passa o dia todo na rede. Mesmo sem contribuir, essa pessoa vai desfrutar do bem coletivo tanto quanto aqueles que se esforçaram. A agressão moralista emergiu para conter a disseminação dos não cooperativos. Pena que essa tendência humana, como no caso da tatuagem na testa, muitas vezes sai do controle.
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