Jornalista, escritor e diretor de cinema cubano. É autor de 19 livros, incluindo "O Homem que Amava os Cachorros" . Mora em Havana.
Pouco a pouco as coisas avançam
Ao que parece, o passo gigantesco que foi o restabelecimento das relações diplomáticas entre Cuba e EUA, 55 anos depois de terem sido rompidas, foi o acordo mais fácil de fechar. Embora um e outro governo apresentassem argumentos que pareciam impossíveis de conciliar, a vontade política e o pragmatismo acabaram por se impor, e, poucos meses depois do anúncio da possibilidade, ela se concretizou, com a abertura de embaixadas em Washington e Havana.
Também parecia improvável que acontecesse uma viagem presidencial norte-americana à ilha caribenha vizinha de sistema socialista. Tão distante parecia essa perspectiva que se converteu em piada em Cuba, em uma performance de um artista plástico e até no refrão de uma canção em que uma orquestra da ilha dizia: "Obama, enlouqueça e venha para Havana". Mas aquilo que se tinha como impossível se fez realidade, o Air Force 1 aterrissou em Havana e Obama realizou sua desejada estadia no país, embora sua passagem por Cuba tenha deixado polêmica em sua esteira.
Mas esses e outros grandes movimentos (a saída de Cuba da lista dos países patrocinadores do terrorismo, a incorporação de Havana à Cúpula das Américas etc.) são acordos e realizações que se movimentam no território da política e nos altos escalões dos governos. Enquanto isso, os cubanos que andam a pé continuam a esperar que alguma coisa aconteça em sua realidade: alguma coisa que tenha a ver diretamente com eles, sua vida, sua economia.
A verdade é que no tabuleiro dos movimentos políticos entre Washington e Havana ainda falta ser feita a jogada mais difícil, aquela que terá o maior efeito: a revogação da Lei do Embargo, que hoje impede um fluxo normal na relação econômica entre os dois países. Essa barreira legal que condiciona ou impede a realização de muitos negócios e impossibilita os cidadãos americanos de viajarem a Cuba como simples turistas é uma realidade lamentável que funciona como argumento permanente do governo cubano para falar da impossibilidade de manter vínculos normais com o vizinho do norte.
Mesmo assim, sobre o estreito da Flórida sopram periodicamente ventos de esperança de que finalmente surjam relações que molhem a maioria dos cubanos com seus efeitos. Importações? Comunicações? Investimentos e fontes de emprego?
Por enquanto, esses ares parecem trazer aviões que podem vir carregados de turistas americanos, de exilados cubano-americanos e de cidadãos cubanos com visto para embarcar em um desses aviões prometidos. Porque o restabelecimento de voos comerciais diretos entre EUA e Cuba, anunciado há alguns meses, recebeu a aprovação do Departamento do Tesouro norte-americano, mas ficou à espera da ratificação oficial cubana para entrar em ação.
Se tudo funcionar como esperam os mais otimistas, é possível que até o final do ano seis companhias aéreas americanas estejam voando para 11 destinos cubanos, saindo de vários pontos de partida no território do norte. As cifras às quais se aspira são vertiginosas: até 20 voos diários para Havana e múltiplas chegadas a outros pontos, até poder alcançar o número de 110 viagens –além das que possam oferecer as atuais operadoras de voos fretados que mantêm abertas as rotas partindo de Cuba e chegando a ela.
Neste exato momento, pelo menos para os cubanos que vivem na ilha e querem viajar aos EUA para visitas familiares e outras atividades permitidas, é preciso pagar pelo voo de 40 minutos um valor aproximado de US$ 500 (mais gastos com visto, taxas de aeroporto e outras), uma soma pela qual é possível voar à Europa. Isso, sim, seria um benefício direto e concreto.
Enquanto isso, a facilidade de mais americanos viajarem a Cuba, seja dentro das 12 categorias permitidas hoje, seja com a liberdade total que se reivindica, significará um aumento exponencial de visitantes, superior até mesmo aos 93% que uma fonte diz terem sido verificados nos primeiros quatro meses do ano.
E essa enxurrada de turistas trará com ela um benefício concreto para os cubanos que conseguiram um espaço nos setores de alojamento e gastronomia, que hoje competem e às vezes superam o poderoso setor estatal. Nesses negócios, a entrada de capital representa lucros não apenas para os proprietários, mas para uma rede de trabalhadores, fornecedores, intermediários e seguradoras que vão somando cifras consideráveis. Um passo concreto para frente, à espera de muitos outros mais.
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