Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

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Luciana Coelho

Versão moderna preserva charme de Sherlock

POUCOS PERSONAGENS são tão conhecidos como Sherlock Holmes, e menos ainda se saíram bem após tantas encarnações nas telas e palcos. Não há, portanto, nada de óbvio no sucesso da série da rede britânica BBC que traz o pitoresco Benedict Cumberbatch como o detetive criado por Arthur Conan Doyle em 1886.

Transplantá-lo da Londres vitoriana para a contemporânea arriscava destruir seu charme, mas os produtores Steven Moffat e Mark Gatiss (da cultuada "Doctor Who") o fizeram de forma esperta e sem prejuízo à alma das histórias originais.

Como? Atendo-se ao que importa. Cada um dos nove episódios já produzidos (são só três por temporada) traz um crime desvendado pelo detetive e seu assistente, o médico John Watson (Martin Freeman, perfeito).

Elementos centrais como o apego ao raciocínio lógico, a frieza de Sherlock e sua falta de traquejo foram mantidos. Outros, como o domínio da tecnologia, foram somados sem forçar a barra. Quando fazia sentido, características indefectíveis deram lugar à versão moderna (o cachimbo vira adesivo de nicotina; o diário de Watson, blog).

Já o narcisismo e a megalomania do "detetive-consultor", espelhados ainda no vilão Moriarty (Andrew Scott), casam perfeitamente com esses tempos de autopromoção, redes sociais, fama fácil e derivados.

Apesar da fidelidade à essência, os roteiros seguem apenas vagamente os contos e romances de Doyle estrelados pelo detetive ao longo de quase 50 anos, 60 ao todo, incluído aí um longo hiato entre o autor matar o personagem e ter que voltar atrás. Às vezes, Moffat e Gatiss misturam contos; às vezes, amplificam coadjuvantes como Moriarty, o irmão burocrata Mycroft e a fofa legista Molly Hooper.

No que inspira o episódio de estreia, "Um Estudo em Vermelho" (que virou "Um Estudo em Pink"), por exemplo, foram subvertidas as motivações do assassino e limada toda a segunda parte, uma controversa narrativa que passa pela migração mórmon nos EUA.

Contornos homoeróticos na amizade entre Holmes e Watson também ganharam contraste mais claro e bem-humorado, com o médico repetindo o tempo todo que não é gay. Nesta versão, são as cenas de Holmes com Moriarty que têm alguma voltagem sexual.

Com a terceira temporada exibida em janeiro no Reino Unido e trazida ao Brasil há três semanas pelo Netflix, Moffat anunciou que os fãs terão de esperar até 2016 pela próxima dose.
Mas "Sherlock", com seus 90 minutos por episódio e sua estrutura fechada, não se presta ao "binge watching", assistir em sequência.

O drama policial é feito para se apreciar aos poucos, com as incríveis atuações de Cumberbatch e Freeman, diálogos carregados de sarcasmo e histórias livres de grandes-debates-atuais e reviravoltas construídas a conta-gotas. É diversão bem-feita, despretensiosa e elementar.

As três temporadas de "Sherlock" estão disponíveis na Netflix.

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