Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Luciana Coelho

'Better Call Saul' acerta em distância de 'Breaking Bad'

Há muitas nostalgias em "Better Call Saul", comédia cáustica derivada de "Breaking Bad" que deu ao advogado charlatão Saul Goodman (Bob Odenkirk) uma série para chamar de sua após seis anos defendendo Walter White (Bryan Cranston) e servindo ao espectador as melhores tiradas de uma série hipertensa.

A principal, claro, é a nostalgia de "Breaking Bad". Vince Gilligan, o mentor de tudo isso, povoou "Better Call Saul" de rostos conhecidos, embora tenha dito a Rodrigo Salem, colaborador da Folha, que teme "estragar" a mítica da série sobre o professor de química que vira chefão do tráfico após se descobrir com câncer.

O primeiro a aparecer é o capanga Mike Ehrmantraut (Jonathan Banks, o coadjuvante mais amado da série original, com Odenkirk), em uma vida passada inusitada. Seja o que for que corrompeu Saul e Mike, a conversão aconteceu simultaneamente, e vamos assisti-la.

O traficante psicótico Tuco (Raymond Cruz) também dá as caras, já dominado pela paranoia que o caracteriza. Diz Gilligan que outros virão, embora a dupla Mr. White e Jesse (Aaron Paul) ainda demore a aparecer.

A segunda nostalgia é a do protagonista. Nas cenas iniciais, em preto e branco, vemos Saul condenado a viver incógnito após a implosão do império de Walter White. Sob nome falso, ele gerencia, calado, uma loja de bolinhos em Nebraska, um dos Estados mais inóspitos dos EUA. À noite, em casa, revê, sozinho, seus infames comerciais pregressos.

Para os fãs do personagem, as cenas partem o coração. Mas essa vida paralela, assim como a vida pré-Walt que a série foca, quando Saul ainda se chamava Jimmy McGill e tinha os fundos de um salão de manicure como escritório, são a porta para um dos aspectos mais bacanas da nova empreitada: "Better Call Saul" é pura América Profunda.

Em meio às desventuras do advogado, observa-se um lado pouco glamouroso mas muito real dos EUA que, sem se aventurar pelo miolo do país, poucos têm chance de conhecer ("True Detective" traz um pouco disso, os irmãos Coen também).

Advogados que prometem livrar clientes desavisados de encrencas com outdoors tacanhos de fato existem no Kentucky, na Louisiana, no Novo México e em outros lugares menos lembrados. Seus cartazes se erguem à beira de estradas ou junto a lojinhas de armas e casas de penhor esquecidas pela ficção, mas que são o cotidiano da maioria.

Esse mundo novo, ainda que com algo conhecido, gira em outro ritmo e no rumo oposto da série original: se "Breaking Bad" mostrava a desumanização de Walter White, "Saul" dá ao personagem de Odenkirk um passado muito humano.

Sem pretensão de se equiparar à obra-prima, a série nova pode até ser grande. No mínimo, porque há de se suspeitar que Saul seja o personagem favorito do autor. Cabe agora a ele, o escudeiro, a redenção que Walter White não mereceu.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.