É editora de 'Mundo' e foi correspondente em Nova York, Genebra e Washington. Escreve às sextas sobre séries de TV.
"The Leftovers" se transforma para segunda temporada promissora
No início havia apenas a angústia, e depois só a esperança. Que, na dose errada, pode ser igualmente sufocante, como mostra o episódio de estreia da nova temporada de "The Leftovers", no ar desde domingo passado (4).
Divulgação | ||
Regina King (à esq.), Kevin Carroll e os jovens Jovan Adepo e Jasmin Savoy Brown como a família Murphy, novo foco de mistério em "The Leftovers" |
O drama de Damon Lindelof sobre a fé e o sumiço repentino de 2% da população mundial (no que pode ser o arrebatamento por Jesus esperado por parte dos cristãos) volta em um tom tão diferente que é quase preciso alertar o espectador que se trata da mesma série.
Cocriador de "Lost", Lindelof é obcecado por simbolismos. A primeira pista vem nos créditos. Em vez de violinos e coro melancólicos acompanhando imagens inspiradas na arte sacra, fotos de gente feliz, com um recorte no lugar dos que foram levados, embaladas por uma baladinha folk a nos fazer crer que o mundo pode ser bom.
A fantasia setentista continua na sequência de abertura, com uma mulher pré-histórica parindo em solo aparentemente sagrado. Algumas dezenas de milhares de anos depois, o local abrigará Jarden, cidade texana onde nenhum dos 9.261 habitantes sumiu na desaparição fatídica e que foi, então, rebatizada como Miracle.
O que era dor, medo e névoa em Mapleton, a cidade nas redondezas de Nova York onde transcorre a primeira temporada, em Miracle é sol, motivação e sensação de segurança. Sai (por ora) a seita do silêncio, entra a igreja onde impera a palavra.
É para Miracle que o delegado Kevin Garvey (Justin Theroux) decide se mudar com a família em busca de uma vida na qual a desaparição de entes queridos não seja um fantasma constante.
Animado, escolhe a casa ao lado da família Murphy: a médica Erika (Regina King, que acaba de receber um Emmy por "American Crime"), o bombeiro John (Kevin Carroll) e os gêmeos Michael e Evie (Jovan Adepo e Jasmin Savoy Brown).
Em torno dos Murphy -e de seus demônios bem escondidos na cidade onde tudo parece mágico- revolverá a temporada. Com um alerta: "Quanto mais idílica parece uma família, menos ela é", diz Lindelof em entrevistas promocionais.
Mesmo nesse cenário utópico, afinal, os vacilos humanos e a irrefreável tentativa de respondê-los com crenças continuam a atrair Lindelof.
No caso da série, e da obra do escritor Tom Perrotta que a inspira, a procura por essas respostas interessa mais do que as respostas em si. Às vezes, de forma obsessiva: no primeiro ano, a penitência constante dos personagens extrapola para o espectador, a ponto de tornar a série quase inassistível.
Foi só quando Mimi Leder assumiu a direção, no sétimo episódio, que a trama ganhou fôlego e alguma cor.
Leder ("O Pacificador") comanda a metade dos episódios desta vez. Se sua mão ágil e precisa vai desvencilhar a trama do novelo de perguntas e simbologias em que Lindelof transforma suas obras é algo tão difícil de prever quanto o paradeiro dos arrebatados. E lembremos, nem sempre a fé é recompensada.
A segunda temporada de 'The Leftovers' é exibida pela HBO aos domingos, 23h
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