Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

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Luciana Coelho

'Master of None' provoca e evoca Seinfeld e Louie

As melhores comédias costumam ser as que falam de perto ao espectador e que, sem pretensões, conquistam pela empatia. Nada desperta mais o humor, afinal, do que reconhecer nosso ridículo no outro.

Em "Master of None", série em dez episódios de meia hora que estreou na Netflix, o roteirista, diretor e ator Aziz Ansari faz isso com delicadeza ao partir da singularidade de sua situação -filho de indianos criado na conservadora Carolina do Sul tenta se ajustar à enorme e diversa Nova York- para fazer graça de relações humanas e encaixes sociais.

São vários os méritos de Ansari, um comediante de 32 anos baixinho de voz esganiçada cujo trabalho mais conhecido é o Tom da ótima "Parks and Recreation", que lhe rendeu ainda o corroteirista Alan Yang.

Primeiro, ele é um redator inspirado de diálogos. Os de "Master of None" (algo como "senhor de ninguém") são fluidos, leves e cheios de nonsense, a escola Jerry Seinfeld e Louis C.K. executada por um aluno aplicado.

Segundo, seu Dev é muito verdadeiro e, por isso, adorável. Tão verdadeiro que parte do que se vê na série é real: como Ansari, Dev é um ator aspirante na cidade grande criado no sul dos EUA por pais médicos emigrados da Índia.

Se incorporar parte da biografia ao personagem não é novidade na TV americana, Ansari foi além e convidou seus pais reais, Fatima e Shoukath, para viverem seus pais nas telas. O resultado é delicioso -o pai muito à vontade, mostrando que o filho teve de quem herdar o timing cômico, e a mãe meio tímida e fofa.

"Meu pai usou a maior parte de suas férias para atuar em 'Master of None'", escreveu o humorista em sua página em uma rede social. "Quando ele disse que aquilo era divertido mas que o tinha feito principalmente para passar mais tempo comigo, eu me acabei em lágrimas."

Ansari então confessou sentir culpa por todas as vezes que não visitara os pais porque tinha algo mais divertido para fazer (quem nunca?).

O terceiro motivo que destaca "Master of None" no pelotão é que o humorista escolheu algo extremamente particular, sua identidade indiana, para tratar de um sentimento com que a maioria se identifica: ser aceito em um grupo e se ver representado em suas estruturas.

Não é à toa que seus amigos são um bando de "misfits" (um chinês, uma lésbica negra, um nerd grandalhão) e sua namorada é uma mocinha convencional, que o aceita.

Tampouco é à toa que um dos episódios trata de feminismo e outro da falta de papéis para indo-americanos na TV dos EUA, sempre chamados a viver taxistas de sotaque exótico e falas exíguas mesmo que os indianos no país e seus descendentes sejam, segundo o Censo de 2010, 3,2 milhões -mais de 1% da população, representativos sobretudo entre médicos e engenheiros.

Esse paradoxo de ser profundamente americano e tão estrangeiro, de ser minoria e ser numeroso, explode no artigo publicado nesta semana pelo "New York Times" em que Ansari descreve seu pesar ao descobrir que o intérprete do raro personagem indiano bem-sucedido que tanto o inspirara era branco.

O pleito que ele faz com humor é, afinal, urgente e universal.

'MASTER OF NONE' está disponível na Netflix

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