É advogado criminal. Foi presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos instituída pela Lei 9.140/95. Escreve aos sábados,
a cada duas semanas.
Reportagem sobre ataques de facção revela nossa fragilidade institucional
Em meio aos escândalos da política, a reportagem especial da Folha sobre os ataques do PCC em maio de 2006 revela uma faceta distinta da fragilidade institucional.
Há dez anos, o Estado de São Paulo foi surpreendido por uma onda de violência que entraria para a história: em poucos dias e em várias cidades, mais de 300 atentados a prédios públicos, agências bancárias e ônibus, 80 presídios rebelados, 59 agentes de segurança assassinados. A resposta à decisão das autoridades paulistas de transferir 765 presos para a penitenciária de Presidente Venceslau, que poderia comprometer o funcionamento pleno da organização criminosa, espalharia medo e perplexidade. Empresas, repartições e escolas chegaram a fechar suas portas.
Com a Segurança Pública em aparente colapso, nos dias subsequentes foram registradas mais 505 mortes de civis, muitas delas creditadas à reação clandestina e indiscriminada de milícias dispostas a vingar os acontecimentos e a promover acertos de contas. Muitos dos atingidos não tinham antecedentes criminais.
A reação que se poderia esperar de um país civilizado –o desmantelamento do PCC e a punição dos crimes cometidos– não se concretizou.
Se é verdade que grande parte dos líderes está encarcerada, a organização cresceu. Ultrapassa as fronteiras do país, controla a maioria dos estabelecimentos prisionais e o tráfico em diversas regiões, movimentando, segundo investigadores, cerca de R$ 200 milhões por ano. O rescaldo punitivo, por sua vez, não alcançou os autores dos crimes praticados contra os civis na ocasião: apenas 12,9% dos casos foram devidamente esclarecidos. A maioria das mortes permanece impune.
Em absoluto contraste com o padrão das investigações promovidas pela força-tarefa encarregada de descobrir a corrupção na Petrobras, instituições públicas falharam gravemente por não apurar os homicídios praticados pelas milícias.
Erros primários, como a não preservação dos locais dos crimes para a realização de perícias, atitudes suspeitas, como o desaparecimento de provas, e estranhas omissões, como a falta de depoimento de testemunhas presenciais, mostram que a polícia e o próprio Ministério Público de São Paulo, tolerante e burocrático, não cumprem suas funções essenciais.
O uso adequado dos instrumentos de investigação, capazes de desvendar, a partir da determinação, da inteligência e do domínio tecnológico, delitos de grande complexidade probatória, como acontece na Lava Jato, ainda não está incorporado ao dia a dia policial.
Dado o caráter transnacional das ações criminosas, já é tempo de a Polícia Federal empreender uma cruzada para desmantelar o PCC –a mais importante organização criminosa em atividade. Além de recursos financeiros e treinamento pessoal, é preciso estabelecer uma eficaz articulação entre agentes especializados para prevenir e reprimir, dentro da legalidade, este latente e inaceitável desafio ao Estado brasileiro.
Se o jornalismo cumpre o papel inestimável de lembrar este capítulo brutal da guerra urbana, além do drama dos sobreviventes e dos que morreram por engano, conspirando contra o esquecimento, fica a sensação, mais uma vez, de que autoridades deixam de fazer o que delas se espera.
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