É advogado criminal. Foi presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos instituída pela Lei 9.140/95. Escreve aos sábados,
a cada duas semanas.
A liberdade de expressão é o sistema operacional da civilização
Reprodução/Facebook | ||
O boneco inflável do presidente do STF, Ricardo Lewandowski, chamado de Petralovski |
O presidente do STF manda a PF investigar boneco inflável que retrata jocosamente nas ruas a sua imagem. Liminar do Supremo suspende enxurrada de processos movidos por juízes e promotores para intimidar jornal. Jornaleiro é preso sete meses por xingar magistrado. Criticam PMs na internet e acabam detidos por desacato.
São notícias de julho. Mas não é só aqui que se relativiza a liberdade de expressão, de forma mais ou menos intensa e explícita. O governo turco fechou 45 jornais, 23 rádios e 16 TVs nesta semana –além de ordenar prisão de 89 jornalistas.
Os motivos variam: da honra ferida à higienização do futebol, as supostas mensagens de simpatia ao terrorismo, ao racismo, à homofobia. Nas redes sociais, à direita e à esquerda, um exército de voluntários patrulha dizeres impróprios ou repugnantes.
Provocador, panfletário e polêmico, o livro de Mick Hume, "Trigger Warning - Is the Fear of Being Offensive Killing Free Speech?" (2015), recentemente lançado em Portugal sob o título "Direito a Ofender - A Liberdade de Expressão e o Politicamente Correto", é fundamentalista na defesa do direito de se expressar em todas as direções do pensamento.
Fala da demonização das opiniões dissidentes, da hipersensibilidade virtual, dos "contra-Voltaires" que têm no Twitter o "parque de diversões favorito", do enfraquecimento da liberdade na rede de computadores, nas universidades, nos estádios, nos palcos, no humor, na cabeça das pessoas.
O massacre do "Charlie Hebdo" é o ponto de partida do jornalista britânico. Se a humanidade se indignou com o assombroso atentado terrorista na França, ele observa que emergiu um consenso internacional que condena a ofensa anterior: nas palavras do papa Francisco, "não podemos fazer pouco da fé dos outros". E a revista satírica passa a ser informalmente culpada. Mal comparando, é o mesmo que apontar em caso de estupro falta de recato da vítima.
A liberdade de expressão não pressupõe o direito de ridicularizar, mesmo ferindo suscetibilidades, a Virgem Maria, o ateísmo, o feminismo, a "amarração amorosa", os governantes, o espírito carioca ou o que for? A liberdade de expressão não é a "liberdade para as ideias que odiamos"?
Cada vez mais fator de autocensura, a conjunção "mas" se agrega ao conceito: mas não pode insultar, mas não pode propagar ódio etc. Querem até a tutela do direito ao esquecimento –"buracos da memória" que George Orwell anteviu em seu romance "1984".
O livro "Direito a Ofender" lembra episódio importante para a percepção da subjetividade do sentimento de ameaça. Em comício pelos direitos civis em 1966, um jovem que se recusava a lutar no Vietnã disse, para o riso da plateia, que se o obrigassem a pegar em uma arma iria apontá-la para Lyndon B. Johnson. Foi condenado por ameaça de morte ao presidente dos EUA. Tempos depois, a Suprema Corte anularia a sentença: não se tratava de verdadeira ameaça, mas de hipérbole política (figura de linguagem para o exagero), um "modo grosseiro" de se opor.
Para Mick Hume, "em gíria tecnológica", a liberdade de expressão é o sistema operacional da civilização, "o valor nuclear de que depende o êxito de todo o resto". Outros direitos ficam em segundo plano.
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