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luiz caversan

 

21/01/2012 - 12h40

Melancolia, depressão, arte

"Eu não consigo caminhar, minhas pernas estão presas ao chão por um emaranhado de fios de lã cinza."

Com esta frase, proferida logo no primeiro quarto do filme, em meio a cenas que deveriam ser de pura alegria e realização, posto que é a festa de seu casamento, a personagem Justine (Kristen Dunst, esplêndida) deixa claro que a depressão é o seu martírio e o limbo é seu destino.

Estamos falando de "Melancolia", a alegoria cinematográfica do dinamarquês Lars Von Trier, que está disponível nas locadoras e oferece, além de uma demonstração inequívoca de que ainda se faz cinema de verdade, excelente oportunidade para se aprofundar a percepção do que é, como se manifesta e os estragos que causa a depressão numa pessoa e em seus afetos.

Outra frase: "Está com gosto de cinza!", diz chorando a mesma Justine ao mastigar um naco de seu prato predileto, carinhosamente preparado pela irmã Claire (Charlote Gainsburg), que a resgatara de casa durante uma crise profunda da doença. Pouco antes, a cena em que Claire tenta dar um banho em Justine, completamente paralisada, praticamente em inanição, leva às lágrimas, sobretudo quem tem uma ideia do que seja perder como que por um formigamento cerebral o controle de pernas, braços, a vontade e o amor próprio e cair num imenso e pegajoso oceano cinza...

A alegoria de Trier explora os limites e flutuações da condição humana por meio do surgimento de um novo planeta, denominado Melancholia, que em sua recém descoberta trajetória pode (e vai...) se chocar com a Terra.

Na introdução dos personagens, Justine é a maluquinha que chora, ri, se embriaga, faz sexo, deprime, foge, é rejeitada pela mãe ("Cai fora daqui", diz a genitora, quando a filha a procura ainda no casamento para lhe dizer que está assustada. "Nós todos estamos assustados", alega a mãe, vivida por Charlotte Rampling). Numa sequência aparentemente sem nexo, mas totalmente coerente, Justine perde a mãe, o pai, emprego e marido ainda na noite das núpcias.

Tanto Claire como seu rico marido (Kieffer Sutherland), ao contrário, vivem na real, tendo a praticidade e o pragmatismo como referências férreas de uma vida organizada, linear e "feliz", apesar de uma certa tendência à ansiedade de Claire.

Mas com a evolução dos acontecimentos, e com as evidências de que o tal planeta vai mesmo colidir com a Terra sem chance para seus habitantes (aliás, os efeitos especiais e a fotografia para simular os eventos cósmicos são absolutamente maravilhosos), ocasiona uma surpreendente inversão de papéis: Justine passa a agir com inauditas calma e resignação diante da tragédia iminente, enquanto Claire vai se desesperando cada vez mais, e o marido cientista cartesiano perde totalmente a cabeça.

A frieza calculista da personagem diante do fim é reveladora de uma cruel realidade: a morte, muitas vezes, surge como a solução ideal para por fim ao martírio do deprimido, algo incompreensível para os "normais" e seu instinto de sobrevivência.

Mais não se pode dizer para que se veja o filme, uma obra de arte maior que pinta com nuances a um só tempo delicados e doloridos uma realidade que é compartilhada por tantas pessoas hoje em dia.

luiz caversan

Luiz Caversan é jornalista e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos 'Cotidiano', 'Ilustrada' e 'Dinheiro', entre outras funções. Escreve aos sábados.

 

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