Gurizada fandangueira

O sul do Brasil é quase outro país

O que se fala por ali nem sempre compreendemos adequadamente por aqui, estendendo-se essa incompreensão que muitas vezes resvala o preconceito aos hábitos, costumes, vestes, temperamentos, danças e quetais.

Admiro demais meus amigos daquelas plagas pelo orgulho com que ostentam estas suas diferenças.

Alguns exageram, claro, mas a estes resta a piadinha infame de mandar se unirem com o minúsculo Uruguai e criar um país só de "tchês".

O mais interessante é que o tal orgulho é atávico, e gerações se sucedem nas bombachas, na bomba de mate, nas danças e ritmos em geral animadíssimos e sempre referentes a planícies intermináveis, nos crepúsculos tardios típicos da ponta sul do continente.

E nos guris e gurias...

A gurizada do sul sempre me chamou a atenção, não apenas pela beleza física peculiar, mas sobretudo pela alegria com que preservam ou ao menos respeitam suas raízes culturais características.

Meu luto nesta semana em que tantos jovens se perderam no inferno em que se tornou a tal boate de Santa Maria me levou a muitas reflexões sobre estes jovens de fala cantada, ritmos alegres e altivez invejável.

Que não eram piores nem melhores que os paulistas, os baianos, os mineiros e outros. Seus sonhos nada tinham de mais ou menos preciosos, sua alegria era compartilhada como aqui, ali, acolá, bem como seus desejos e buscas eram legítimos como o de qualquer outro jovem; do sudeste, do norte, do centro-oeste...

Mesmo porque choro não tem sotaque.

E respeito e pêsames desconhecem fronteiras.

Eram muitos, foram cedo, deixam uma dor tamanha daquelas que só duas centenas de tragédias podem causar.

Insuportável.

E ficamos nós aqui estarrecidos com o nada, o quase nada que vale a vida, mesmo a vida daquele que nem a viveu direito ainda.