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luli radfahrer

 

18/03/2013 - 03h00

Código é o novo inglês

À medida que os sistemas eletrônicos de reconhecimento de voz e tradução evoluem, o cenário de um futuro em que óculos realizem funções elementares de tradução simultânea está cada vez mais próximo, eliminando a necessidade profissional do aprendizado de um idioma estrangeiro.

É claro que a riqueza de uma língua vai muito além da capacidade de interpretação de qualquer máquina. Registros históricos de culturas e formas de pensar, explorá-las nunca deixará de ser uma expedição fascinante. Se um dia o aprendizado se tornar opcional, talvez ele se torne ainda melhor.

No princípio da civilização falava-se uma língua elementar, baseada em sinais. Para evoluir na construção de estruturas e raciocínios complexos e abstratos foram desenvolvidas diversas linguagens, cada uma referente a seu universo. Símbolos expandiram essa percepção, abrindo o terreno para o surgimento da ciência e da matemática. Cada nova revolução proporciona uma nova descoberta que amplifica e melhora a qualidade de vida.

À medida que o software se espalha para o mundo físico é cada vez mais importante compreender as máquinas e sua forma de pensar. É cada vez mais difícil encontrar objetos "puramente" analógicos, já que estamos cercados de híbridos como TV, eletrodomésticos e automóveis cheios de chips. A Internet das Coisas tende a deixar essa mistura mais sutil, por isso é tão importante entender o que as máquinas dizem quando conversam entre si.

Uma revolução cultural parece acontecer despercebida. Quase ninguém se maravilha com a habilidade da pessoa ou grupo que conseguiu pensar e se comunicar de forma diferente. Não se celebra a conquista humana sobre o digital da mesma forma com que se admiram as celebridades da mídia. Pelo contrário, há um fetiche pelas máquinas, como se fossem objetos de mágica.

Isso deve mudar nos próximos anos. Aprender código logo deixará de ser uma característica acessória para se tornar um componente obrigatório da vida profissional, pouco importa a área de trabalho. Como acontece com o Inglês hoje, quem falar código será capaz de compreender melhor as sutilezas do ambiente em que está e, consequentemente, se comunicar melhor.

Dos vários fatores que apontam nessa direção, talvez o mais evidente seja o sucesso de startups fundadas por profissionais de ciências exatas. Quem tem uma ideia hoje e não é da área sabe que não irá muito longe sem aprendê-la ou sem descolar um sócio ou funcionário capaz de viabilizá-la.

Por mais que seja uma lacuna interessante no mercado, a oportunidade de trabalho por si não deve ser motivo suficiente para levar muita gente para as linhas de programação. O trabalho de se estudar uma forma diferente de lógica e raciocínio processual é árdua demais para justificar uma possível mudança de emprego, sem garantia.

As mudanças são tantas e tão aceleradas que a ideia de aprender a programar chega a parecer absurda. Os nomes não ajudam. Linguagens de back-end como Python, PHP ou Java. Frameworks como Ruby on Rails, bases de dados como MySQL, servidores Apache rodando Linux. Até mesmo o HTML e CSS de uma página web soam assustadores e inúteis, já que estarão obsoletos quando forem finalmente compreendidos. Atordoados pelo excesso de oferta, muitos pensam menos na integração e no significado de certas ferramentas e as aceitam como estiverem.

É um erro de percepção. Para a maioria das pessoas, programação não é considerada uma habilidade, mas um plano de carreira, para o qual ou se é bom e vale a pena ou então é perda de tempo. Não se pensa isso de quem resolveu aprender grego ou tango ou Judô. É certo que alguns músicos e atores ganhem fortunas, mas pouquíssimos escolheram essa carreira somente pela oportunidade de mercado. Boa parte daqueles que o fizeram não foi muito longe. Para os outros, o argumento dinheiro chega a soar ofensivo.

A lógica da máquina é fascinante. Aprendê-la desmistifica a tecnologia, tornando seus conhecedores mais independentes da manada de usuários bovinos. Quem aprende a programar se familiariza com conceitos como funções e variáveis, sendo capaz de entender, mesmo que nunca tenha de reproduzir, boa parte da estrutura lógica que sustenta o cotidiano pós-moderno.

Em um nível elementar, o código é como a cozinha ou a mecânica de automóveis. Quem sabe como as coisas funcionam é mais livre e criativo, capaz de se virar sozinho ou de compreender a gravidade ou complexidade das situações que enfrenta.

Muitos de nós programam todos os dias sem o saber. Filtros de e-mail, funções de Excel, integrações de redes sociais e uma série de funçõezinhas realizadas nos painéis de controles dos PCs, smartphones e tablets são formas de customizar as máquinas e ampliar seu projeto original. Serviços como o IFTTT amplificam essas customizações ao permitir que certos dados fornecidos pelas bases de dados de redes sociais possam ser integradas. Com alguns comandos, qualquer pode armazenar em seu Dropbox toda foto que for marcada com seu nome no Facebook. É um começo.

Quem pensa em código pode desenvolver uma conversa em profundidade com outros que o entendam e, com a mesma naturalidade de uma jam session de jazz, chegar a construções nunca imaginadas. Quem não sabe a língua fica restrito a um nível primitivo, impotente frente à grandiosidade da máquina.

Não é preciso ser especialista para se fazer seu primeiro programa. Seja ele um game, uma loja digital ou o software que opera um elevador, sua complexidade varia de acordo com a intenção e a habilidade de seu criador. Como compor uma música ou escrever um roteiro. Para quem quiser aprender há vários serviços gratuitos como Codeacademy, Udacity, Coursera, P2PU, Google Code University, MIT Open Courseware e tantos outros. Como qualquer habilidade, dá trabalho e consome tempo. Mas compensa.

Aprender essa nova língua pode ser uma experiência tão rica quanto estudar Filosofia. Novos conceitos expandem a percepção, melhoram a compreensão do mundo e ajudam a criar e manipular novas abstrações. Como efeito colateral, eles podem automatizar processos e facilitar a vida de muita gente. Com o tempo, quem sabe, até dar algum dinheiro. Nada mau.

luli radfahrer

Luli Radfahrer é professor-doutor de Comunicação Digital da ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP há 19 anos. Trabalha com internet desde 1994 e já foi diretor de algumas das maiores agências de publicidade do país. Hoje é consultor em inovação digital, com clientes no Brasil, EUA, Europa e Oriente Médio. Autor do livro 'Enciclopédia da Nuvem', em que analisa 550 ferramentas e serviços digitais para empresas. Mantém o blog www.luli.com.br, em que discute e analisa as principais tendências da tecnologia. Escreve a cada duas semanas.

 

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