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manuel da costa pinto

 

23/09/2012 - 03h00

Em filme, Visconti associa nazismo à degeneração patológica

DE SÃO PAULO

As primeiras imagens de "Os Deuses Malditos", de Visconti, mostram caldeiras vertendo aço derretido. É uma sequência de cores saturadas, culminando em labaredas apocalípticas. Pois é justamente isso que teremos ao longo dessa obra de 1969: a gênese do apocalipse nazista, do ponto de vista dos Essenbeck, família aristocrática cuja fundição fornece matéria-prima para a indústria bélica de Hitler.

O führer só aparece em retratos de parede. A suástica, em contrapartida, circula não apenas pelos salões dos Essenbeck, mas também por alcovas e orgias em que as braçadeiras nazistas se confundem com cintas-ligas.

Logo no início, o assassinato do barão Joachim von Essenbeck abre uma disputa entre os membros do clã. De um lado, está seu sobrinho Konstantin, membro da SA (grupo paramilitar cuja agitação levou Hitler ao poder). Do outro, Friedrich, administrador da fundição e amante da filha do barão, que está mancomunado com um sádico oficial da SS (tropa de elite responsável por implantar um Estado policial na Alemanha nazista).

As intrigas sobre a morte do patriarca se fundem a pulsões de morte e perversões, com o neto do barão (homossexual incestuoso e pedófilo responsável pelo suicídio de uma garota judia) se valendo de sua condição de herdeiro legítimo para conduzir o amante da mãe ao poder.

Já se disse que, ao identificar o nazismo a uma aberração patológica, Visconti põe a perder os elementos ideológicos enraizados na cultura ocidental. De fato, esse filho da nobreza lombarda era fascinado pelas ambiguidades morais dos períodos de decadência -como o comprova seu filme posterior, "Morte em Veneza".

Em "Os Deuses Malditos", porém, não é um artista que entra em colapso, mas a própria cultura que entra em rota de agonia ao ver seus caldeirões parirem uma serpente. Ao vincular o nazismo à civilização técnica, o homossexual e aristocrata Visconti inocula um viés marxista em sua crônica da degeneração.

OS DEUSES MALDITOS ****
DIRETOR: Luchino Visconti
DISTRIBUIDORA: Versátil Home Video
QUANTO: R$ 44

FILMES

MORTE EM VENEZA ****
Aschenbach (mesmo nome do oficial da SS de "Os Deuses Malditos")
é o compositor cuja paixão por um adolescente abala suas convicções morais, na trama inspirada
em novela de Thomas Mann.
DIRETOR: Luchino Visconti
DISTRIBUIDORA: Warner Home Video
(1971, R$ 24,90)

MEPHISTO ****
Baseado no romance de
Klaus Mann, narra a história
do ator alemão que ascendeu compactuando com o nazismo.
DIRETOR: István Szabó
DISTRIBUIDORA: Silver Screen
(1981, R$ 49,90)

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LIVRO

A REVOLUÇÃO FRANCESA: 1789-1799 ***
Michel Vovelle; tradução de Mariana Echalar (2012, ed. Unesp, 320 págs., R$ 59)
Representante da "história cultural", Vovelle se desvia de estudos sobre imaginário e costumes para buscar uma visão global da Revolução Francesa, sem determinismos sociais ou econômicos. Documentos de época são alinhados a dados demográficos e períodos como o Terror, num caleidoscópio das forças em jogo nos dez anos que transtornaram a história europeia.

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DISCO

RAUTAVAARA: VIGILIA ***
Finnish Radio Chamber Choir; Timo Nuoranne, regente (1998, Ondine, R$ 73,10)
Nascido em 1928, o finlandês Einojuhani Rautavaara pertence (ao lado do estoniano Arvo Pärt e do inglês John Tavener) a um conjunto de compositores que vêm renovando a música sacra. Em "Vigilia", tece complexa trama de vozes sem instrumentos, com coro e solistas dando um sentido dramático ao misticismo das "Vésperas" e "Matinas", dois serviços da liturgia cristã ortodoxa.

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FILME

A DAMA DE FERRO **
Phyllida Lloyd (2011, Paris Filmes, R$ 29,90)
Criticada por ser condescendente com o legado político de Margaret Thatcher, a cinebiografia da ex-primeira-ministra britânica tem como ponto alto a atuação de Meryl Streep. O fio narrativo é a atual fragilidade da retratada, assolada pelo avanço de suposto mal de Alzheimer, em contraste com a severidade com que implantou medidas neoliberais.

manuel da costa pinto

Manuel da Costa Pinto é jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. É editor do 'Guia Folha - Livros, Discos, Filmes' é também do programa 'Entrelinhas', da TV Cultura. Escreve aos domingos.

 

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