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manuel da costa pinto

 

07/10/2012 - 03h00

HQ de Chester Brown relata experiência de só fazer sexo com prostitutas

"A experiência de pagar por sexo não é vazia quando você paga à pessoa certa", conclui o protagonista da última cena de "Pagando por Sexo", história em quadrinhos de Chester Brown. O personagem é o próprio artista gráfico canadense, que, depois de uma decepção afetiva, decide só se relacionar com garotas de programa e termina fazendo da HQ um manifesto contra o "amor romântico".

O álbum foi lançado originalmente com o título "Paying for It", imposição do editor que desagradou ao autor por sua ambiguidade: "Pagando por ele" alude não só ao sexo pago, mas também ao preço emocional e moral de cair na "zona". Levando em conta a queixa de Brown, o editor brasileiro adotou a versão "explícita" do título.

Que o leitor não espere nem o pornô "light" de "Cinquenta Tons de Cinza" (embora a HQ também tenha frequentado listas de mais vendidos) nem a perversão dos "hentais" (mangás eróticos japoneses). Em preto e branco, os quadrinhos de Brown têm traço duro, sem meios-tons. As cenas de sexo não escondem as genitálias, porém descrevem as diferentes posições sexuais à distância de quem olha por uma fresta na janela, omitindo detalhes anatômicos. E tanto as prostitutas quanto o "alter ego" do autor (um careca raquítico e esquisito) parecem bonecas infláveis.

Sem glamour ou culpa, Chester vai conhecendo diferentes garotas de programa e rebatendo as críticas dos amigos, que enxergam em sua atitude uma racionalização do trauma amoroso, algo do tipo a insegurança faz você dissociar o sexo do amor numa ilusão narcisista de superioridade, que o defende de frustrações reincidentes.

Chester, porém, vê nos discursos dos amigos outra forma de racionalização, em que a liberdade sexual só pode ser exercida em nome de um ideal político ou amoroso -sem o qual o erotismo perde seu salvo-conduto e se converte em pornografia associada ao crime e à violência.

Com discussões sobre o mito do amor romântico e a diferença entre legalização e regulamentação da prostituição, "Pagando por Sexo" é uma HQ cerebral, em que o gozo está mais no xadrez argumentativo do que na cama. Fosse no Brasil, Brown poderia ser mais gaiato e finalizar sua HQ com a frase de Nelson Rodrigues: "O dinheiro compra tudo. Até amor verdadeiro".

Chester Brown/Reprodução
Sequência da história em quadrinho canadense "Pagando por Sexo"
Sequência da história em quadrinho canadense "Pagando por Sexo"

PAGANDO POR SEXO
AUTOR: Chester Brown
TRADUÇÃO: Marcelo Brandão Cipolla
EDITORA: WMF Martins Fontes (296 págs., R$ 47)

SONS DAS AMÉRICAS
Núcleo Hespérides (Selo Sesc, R$ 30, CD duplo)
O Núcleo Hespérides - Música das Américas, fundado em 2002 para divulgar a produção do século 20, mostra o amplo espectro de suas pesquisas. O primeiro CD reúne obras na confluência do modernismo e da reinvenção etnomusical, desde Villa-Lobos e do argentino Ginastera até a venezuelana Modesta Bor ou o canadense John Beckwith (que faz uso percussivo do piano para pontuar um canto indígena). O segundo flagra cena mais contemporânea, com ícones como Samuel Barber e Claudio Santoro ao lado do colorido dos violões do cubano Leo Brouwer e das intransigentes pesquisas eletroacústicas de Flo Menezes.

ALMA SEM PUDOR
Nicholas Ray (1950, Versátil Home Video, R$ 44,90)
Cineasta da desilusão, moralista da decepção, Nicholas Ray criou aqui uma figura feminina decalcada no demoníaco Iago, do "Otelo" shakespeariano. Na São Francisco dos anos 1950, Joan Fontaine é a moça de aparência frágil que seduz a todos de forma predatória, instaurando a discórdia e cativando até mesmo aqueles que
conseguem enxergar seu arrivismo.

Divulgação
A atriz Joan Fontaine em cena de "Alma sem Pudor", de Nicholas Ray
A atriz Joan Fontaine em cena de "Alma sem Pudor", de Nicholas Ray

LIVRO

DESONRA
No início do romance do Nobel sul-africano, o relacionamento do protagonista com uma prostituta é emblema de um realismo moral despido de utopias.
AUTOR: J. M. Coetzee
TRADUÇÃO: José Rubens Siqueira
EDITORA: Companhia das Letras (2000, 248 págs., R$ 51)

FILME

A BELA DA TARDE
Vivida por Catherine Deneuve, a mulher da burguesia que frequenta um bordel expressa as fantasias e os fantasmas da prostituição.
DIRETOR: Luis Buñuel
DISTRIBUIDORA: Continental
(1967, R$ 49,90)

manuel da costa pinto

Manuel da Costa Pinto é jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. É editor do 'Guia Folha - Livros, Discos, Filmes' é também do programa 'Entrelinhas', da TV Cultura. Escreve aos domingos.

 

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