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manuel da costa pinto

 

28/10/2012 - 03h00

"Garranchos" reúne textos inéditos de Graciliano Ramos

DE SÃO PAULO

"Nunca juntei ideias para a fabricação de artigos, crônicas ou notícias. (...) Não escrevo, meus caros redatores, nunca escrevi, graças a Deus (...). Sou inteiramente impenetrável à arte que os senhores publicistas possuem de embromar superiormente os leitores metendo-lhes caraminholas na cabeça. Até versos, coisa que todo mundo fez (...), não tenho jeito para os manufaturar."

O parágrafo acima está numa carta que Graciliano Ramos enviou em 1921 ao jornal "O Índio", da cidade de Palmeira dos Índios, da qual seria prefeito pouco tempo depois. Nela, há meias verdades e uma rematada mentira.

Acervo ÚltimaHora/Folhapress
O autor alagoano Graciliano Ramos
O autor alagoano Graciliano Ramos

Meias verdades: Graciliano foi colaborador durante 14 edições do jornal sertanejo, embora sob pseudônimo. E, além de crônicas, escreveu inúmeros poemas, que recomendou ao filho, o escritor Ricardo Ramos (1929-1992), jamais publicar após sua morte.

A outra meia verdade nos leva à rematada mentira: pois se é fato que, naquela altura, Graciliano ainda não era escritor, a publicação, na década seguinte, de romances como "Vidas Secas" e "São Bernardo", mostrou que o autor alagoano fez do asco à arte de embromar o osso literário para aversões de ordem moral e política ao poder e às instituições.

Os mais de 80 textos inéditos reunidos em "Garranchos" (incluindo a carta acima citada) constituem uma espécie de cozinha dessa obra marcada pela negatividade. Inicialmente, são artigos circunstanciais, que tratam dos problemas da população interiorana e anunciam seus mordazes relatórios como prefeito de Palmeira dos Índios. Nos textos dos anos 1930, questões educacionais aparecem ao lado de discussões literárias e da defesa do romance nordestino de José Lins do Rego ou Jorge Amado como reação à retórica beletrista.

O volume comemora os 120 anos de nascimento de Graciliano e é fruto de pesquisa minuciosa do organizador Thiago Miosalla, que na apresentação e nas notas contextualiza cada texto. Dentre os achados desse livro notável estão uma peça de costumes inacabada e o conto inédito "O Ladrão", em que o linchamento de um meliante mostra a empatia dostoievskiana de Graciliano com os pobres-diabos.

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LIVRO
GARRANCHOS **
AUTOR: Graciliano Ramos
EDITORA: Record (400 págs., R$ 49,90)

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LIVROS
O VELHO GRAÇA **
Reedição ampliada e acrescida de caderno de imagens da biografia lançada no centenário do escritor.
AUTOR: Dênis de Moraes
EDITORA: Boitempo (2012, 360 págs., R$ 52)

LINHAS TORTAS **
Os dois textos de "Linhas Tortas" em que o autor explica por que não premiou "Sagarana", de Guimarães Rosa, quando foi jurado de um concurso literário, aparecem numa versão mais contundente em "Garranchos".
AUTOR: Graciliano Ramos
EDITORA: Record (2005, 448 págs., R$ 44,90)

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LIVRO
O FIM DOS CEAUSESCU *
Grigore Cartianu; tradução de Eugenia Flavian (É Realizações, 560 págs., R$ 99) Cartianu reconstitui os últimos momentos do casal que imperou na Romênia como uma espécie de monarquia absolutista da era comunista. Os depoimentos chegam a ser excessivos, mas restauram o clima de pânico e insurreição popular que marcou a mais violenta e vingativa queda de um líder pertencente ao bloco soviético, em 1989.

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FILME
EU RECEBERIA AS PIORES NOTÍCIAS DE SEUS LINDOS LÁBIOS **
Beto Brant e Renato Ciasca (Fox-Sony Pictures Home Entertainment, locação) A adaptação do romance escondeu alguns fios narrativos e personagens da complexa trama de Marçal Aquino. Prevalece a paixão ardente entre um fotógrafo e uma ex-prostituta (excelente atuação de Camila Pitanga), que trai um pastor evangélico num Pará de figuras sinistras. O sexo brutal só deixa
entrever outras brutalidades à espreita.

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DISCO
FELIZES TRÓPICOS **
Augusto Martins (Fina Flor, R$ 18,70)
Revidando título de um clássico da antropologia sobre o Brasil -"Tristes Trópicos", de Lévi-Strauss-, o cantor carioca celebra a alegria da mestiçagem, do verão e do amor em composições próprias e de autores como Moacyr Luz, João Donato e Joyce. Os arranjos de Humberto Araújo para a Orquestra Criôla dão suingue e solidez a um repertório
deslumbrado com a tropicalidade.

manuel da costa pinto

Manuel da Costa Pinto é jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. É editor do 'Guia Folha - Livros, Discos, Filmes' é também do programa 'Entrelinhas', da TV Cultura. Escreve aos domingos.

 

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