É jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. Escreve aos domingos, a cada duas semanas.
Filme "Clara Schumann" reconstitui triângulo amoroso de músicos
O mais célebre triângulo amoroso da história da música é um paradoxo. Não teve episódios de traição, ciúme ou ressentimento. Que se saiba, nunca chegou a se realizar carnalmente, ficando no plano ideal. E resultou num dos mais belos filmes envolvendo compositores: "Clara Schumann", de Helma Sanders-Brahms.
A diretora alemã enfoca o breve período em que o jovem Johannes Brahms (de quem é parente distante) conhece o casal Clara e Robert Schumann. Ele, grande nome do romantismo; ela, brilhante pianista que eclipsou sua carreira de compositora para difundir a obra do perturbado marido, garantindo-lhe suporte emocional e musical (Clara regia em seu lugar, para desconsolo de músicos machistas).
Brahms conheceu o casal quando Schumann, o autor da "Sinfonia Renana", mergulhava em alucinações auditivas e crises de abstinência de láudano. Os distúrbios, no entanto, não impediram que ele reconhecesse em Johannes seu sucessor.
Divulgação | ||
Martina Gedeck vive Clara Schumann em filme homônimo que retrata a paixão dela pelo jovem músico Johannes Brahms |
A única aproximação física entre Clara e Johannes acontece depois que Robert definha num manicômio. Mas a devoção de ambos a Schumann faz que, após tatear os seios de Clara, ele abdique daquele "paraíso proibido" (prometendo-lhe uma fidelidade que, de fato, durou até a morte). Na sequência seguinte, Clara interpreta o "Concerto para Piano n. 1", de Brahms, com a sobriedade das paixões sublimadas.
A diretora de "Alemanha Mãe Pálida" (filme devastador sobre os efeitos do nazismo na vida de uma jovem mãe) contou com elenco capaz de equilibrar momentos de leveza e loucura: além da protagonista Martina Gedeck ("A Vida dos Outros") e de Malik Zidi (Brahms), o francês Pascal Greggory transfere a Schumann a intensidade violenta de seu trabalho teatral com o diretor Patrice Chéreau.
Sanders-Brahms fez um filme sobre generosidade, gratidão e o amor tenaz de uma grande mulher, mas também sobre os prazeres da renúncia -além de permitir que a música dos três compositores soe em cena com seu poder incomparável de traduzir "pathos".
CONEXÕES
FILME
CLARA SCHUMANN ****
DIRETOR: Helma Sanders-Brahms
DISTRIBUIDORA: Versátil Home Video (R$ 39,90)
DISCO
BRAHMS: PIANO CONCERTOS ****
O "Concerto para Piano n. 2" é posterior ao período de maior proximidade entre Brahms e Clara Schumann, mas sua grandiosa melancolia remete ao triunfo da forma rigorosa sobre a paixão dilacerante.
ARTISTA: Emanuel Ax, piano
GRAVADORA: Sony Music
(2009, R$ 39,90)
LIVRO
A PRINCESA DE CLÈVES ****
Nesse clássico do século 17, o amor adúltero entre dois nobres jamais se concretiza, celebrando o domínio sobre si mesmo contra o desgoverno das paixões.
AUTOR: Madame de Lafayette
TRADUÇÃO: Léo Schlafman
EDITORA: Record
(2004, 192 págs., R$ 34,90)
*
LIVRO
OS FANTASMAS DA SÃO PAULO ANTIGA ****
Miguel Milano (Editora Unesp/Prefeitura de São Paulo/Imprensa Oficial, 176 págs., distribuição gratuita: www.projetodemaoemmao.com.br )
Matemático, historiador e jornalista, Milano (1885-1971) faz um passeio curioso por lugares paulistanos e suas lendas urbanas, como a "louca dos Campos Elíseos" e os fogos-fátuos dos cemitérios, confundidos com assombrações. Integra a coleção "De Mão em Mão", que inclui títulos de Machado de Assis, Lima Barreto e Mário de Andrade.
DISCO
THE BEST OF BACH ***
João Carlos Martins (Instituto Beethoven, R$ 30, encomendas pelo site www.artsupply.com.br )
Obrigado a trocar o piano pela batuta por causa de um traumatismo que limitou seus movimentos manuais, João Carlos Martins teve tempo de fazer gravações que o transformaram num dos maiores intérpretes de Bach. A compilação reúne diferentes peças, como a transcrição de uma chacona para a mão esquerda, feita por Brahms e executada por Martins já no período de Limitação física.
Greg Salibian/Folhapress | ||
O maestro João Carlos Martins, que trocou o piano pela batuta após traumatismo que limitou seus movimentos, na Sala São Paulo |
FILME
PARA ROMA COM AMOR **
Woody Allen (Paris Filmes, locação)
Em Roma, histórias entrecruzadas contrastam a neurose americana e a extravagância italiana (o tenor que só canta no chuveiro; o anônimo convertido em celebridade pelos "paparazzi"). Como no pavoroso "Vicky Cristina Barcelona" e no mediano "Meia-Noite em Paris", o que parece ironia com os clichês se converte numa profusão deles. Woody Allen só é Woody Allen em nova York.
Divulgação | ||
Os atores Alessandro Tiberi e Penélope Cruz em cena de "Para Roma com Amor", do diretor americano Woody Allen |
Livraria da Folha
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