Manuel da Costa Pinto

Jornalista, mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP

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Manuel da Costa Pinto

Conferências de Copland e pesquisa revelam nuances das músicas erudita e popular

É fato que a música erudita perdeu lugar na preferência do público "culto" nos séculos 20 e 21. Uma produção popular complexa (jazz, bossa nova) e a força da indústria cultural (com a trivialidade do rock e do pop) seriam responsáveis por essa configuração. Dois livros de compositores abordam esses vetores contraditórios: a complexidade da criação, em tempos de cruzamento entre popular e erudito, e a regressão da audição na era da cultura de massa.

"Como Ouvir e Entender Música" reúne conferências do norte-americano Aaron Copland (1900-1990), que incorporou elementos do jazz e do folclore à paisagem sonora dos Estados Unidos. De caráter didático, analisa elementos como ritmo e harmonia, formas como fuga e sonata. Traz exemplos de pautas musicais e CD com os respectivos áudios, para quem não lê partituras. O aspecto mais importante, porém, é convocar a atenção do leitor para as estruturas que se renovam a cada audição, para além de associações emocionais.

Uma obra de Tchaikóvski, diz Copland, sempre diz aproximadamente a mesma coisa, enquanto Beethoven oferece um universo inesgotável de significações abstratas. Essa regra de ouro cabe também num jazzista como Miles Davis, mas se choca com hierarquias culturais.

Em "Cantando a Própria História", o compositor e pesquisador da viola caipira Ivan Vilela faz um histórico do instrumento que foi introduzido na península ibérica pelos árabes e se difundiu pelo Brasil associado a um modo de vida comunitário.

Seu foco é uma dinâmica social em que a expressão popular derivou ora para "maneiras cultas do tocar", no contexto de dominação administrativa do Nordeste no Brasil Colônia, ora para a "rude exuberância" da viola caipira, na terra de ninguém do Sudeste de bandeirantes e mamelucos.

Aqui entra o problema: a modernização do país levou à sofisticação contracultural da tropicália, mas também ao estigma do caipira como resquício arcaico, cegando-nos para uma tradição que Vilela define, com autoridade de musicólogo, como "maior guarda-chuva de ritmos distintos existente na música brasileira".

Vilela mostra como o público supostamente culto é surdo não apenas às nuances da música erudita, mas também a "timbres e texturas que as músicas clássica e popular são (...) incapazes de produzir". O livro inclui CD com composições próprias, interpretadas com talento que quase sufoca sua acuidade de ensaísta.

LIVROS

COMO OUVIR E ENTENDER MÚSICA *
AUTOR: Aaron Copland
TRADUÇÃO: Luiz Paulo Horta
EDITORA: É Realizações (216 págs., R$ 66)

CANTANDO A PRÓPRIA HISTÓRIA - MÚSICA CAIPIRA E ENRAIZAMENTO **
AUTOR: Ivan Vilela
EDITORA: Edusp (328 págs., R$ 65)


LIVRO

O CAPITALISMO COMO RELIGIÃO *
Walter Benjamin (tradução de Nélio Schneider, Boitempo, 192 págs., R$ 42)
Com seleção de Michael Löwy, o volume reúne textos dispersos e inéditos do pensador judeu alemão, que se suicidou em 1940, em fuga do nazismo. Os ensaios trazem a marca singular de uma análise da modernidade e de uma crítica do capitalismo industrial em que se cruzam referências do romantismo, do materialismo marxista, da teologia e do messianismo judaico.


DISCO

PENDERECKI: PIANO CONCERTO "RESURRECTION"/FLUTE CONCERTO **
Filarmônica de Varsóvia (Naxos, importado)
Sob regência de Antoni Wit, os solistas Barry Douglas e Lukasz Dlugosz interpretam, respectivamente, o concerto para piano e orquestra e o concerto para flauta e orquestra de câmara do polonês Krzysztof Penderecki, que fez 80 anos em novembro. São obras de colorido essencialmente moderno (embora sem filiações à vanguarda serialista) e com a tensão austera de Penderecki.


FILME

QUERELLE *
Rainer Werner Fassbinder (Paragon, R$ 34,90)
Reza a lenda que o diretor alemão morreu extenuado ao tentar cumprir o prazo sadomasoquista exigido por Jean Genet para que concluísse esta adaptação de seu romance "Querelle de Brest". Sadomasoquismo, crime e estética do excesso, aliás, dão a tônica desta trama em que um marinheiro mantém relações perversas num bar portuário de prostituição.

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