É jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. Escreve aos domingos, a cada duas semanas.
Oscar de melhor filme estrangeiro, 'A Grande Beleza' divide críticos
Há muito tempo um filme não dividia tanto as opiniões quanto "A Grande Beleza", de Paolo Sorrentino. O ensaísta José Miguel Wisnik (no jornal "O Globo") falou em "confusão de cenas de decadência explícita misturadas com fausto romano e vislumbres presumidamente poéticos".
Na Folha, o cínico protagonista do filme (um esteta que se apresenta como "rei dos mundanos") foi descrito por Contardo Calligaris como "o último dos românticos, que vive como se a única resposta honesta ao vazio do mundo fosse a fragilidade da beleza".
Jep Gambardella (Toni Servillo, em atuação notável) é um escritor que abandonou a literatura há décadas, após o sucesso de seu único romance, e agora leva vida frívola, entre festas, personagens bizarras e uns poucos amigos com os quais divide seu ócio, num apartamento cujo terraço dá sobre o Coliseu romano.
"A Grande Beleza" é repleto de ironias em relação à vacuidade da vida contemporânea: um cardeal que prefere dar receitas culinárias a escutar as aflições espirituais dos fiéis; um guru cuja mensagem consiste
em aplicações de botox.
E a câmera que se insinua pelos jardins secretos e pelos palácios de Roma busca um sublime a salvo da vulgaridade dos turistas e da fatuidade do circuito da arte pós-moderna (os descolados que aplaudem em delírio a garota histérica que joga tinta sobre uma tela).
Talvez Sorrentino seja mais que um decadentista "kitsch" e exibido (como quer Wisnik), talvez Jep seja menos que um sábio para quem "uma vida fútil poderia ser a única maneira de não mascarar a futilidade da vida" (Calligaris).
Afinal, Jep é um dândi que ensina como afetar dor durante um funeral, mas é tomado de comoção sincera quando sabe da morte de seu amor de juventude. E, colaborador de publicação editada por uma anã (outro elemento bizarro da trama), ridiculariza a performance de uma artista picareta para, em seguida, se enternecer com a exposição de um fotógrafo que se autorretratou a vida toda em homenagem ao pai.
Há no filme de Sorrentino uma nostalgia da autenticidade, da qual Roma é vestígio e luto. Entre girafas circenses e revoadas de flamingos, no entanto, a autenticidade pode ser mais uma afetação —num curto-circuito que justifica as visões contraditórias desse filme inquietante.
FILME
A GRANDE BELEZA ****
DIRETOR: Paolo Sorrentino
DISTRIBUIDORA: Paramount
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FILMES
TRILOGIA DA INCOMUNICABILIDADE ****
Além de "A Aventura" e "O Eclipse", a trilogia inclui "A Noite", cuja angustiada errância de um escritor por Milão remete ao tédio noturno de Jep Gambardella.
DIRETOR: Michelangelo Antonioni
DISTRIBUIDORA: Versátil (R$ 69,90)
A DOCE VIDA ****
O extravagante hedonismo, o escritor vivido por Mastroianni e a Roma de Fellini são fontes explícitas do filme de Paolo Sorrentino.
DIRETOR: Federico Fellini
DISTRIBUIDORA: Versátil (R$ 49,90)
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LIVRO
O PERFEITO COZINHEIRO DAS ALMAS DESTE MUNDO ***
Oswald de Andrade (Biblioteca Azul, 286 págs., R$ 49,90)
Em 1918, Oswald de Andrade manteve com amigos (entre eles Menotti Del Picchia e Guilherme de Almeida) uma "garçonnière", apartamento no centro de SP onde os convivas faziam anotações e desenhos num grande caderno. Esta edição em capa dura transcreve os manuscritos e inclui reproduções das páginas do diário coletivo, que foi um laboratório do modernismo.
JOSEPH GOEBBELS - UMA BIOGRAFIA ****
Peter Longerich; tradução de Luiz A. de Araújo (Objetiva, 816 págs., R$ 79,90)
Ministro da Propaganda nazista, Goebbels potencializou a adesão do povo alemão a Hitler. Longerich se serve aqui da vasta documentação que Goebbels reuniu sobre si mesmo para compreender como, em seu narcisismo extremado, ele fez de Hitler um espelho no qual se enxergava em tamanho sobrenatural. Além das entranhas do poder, o delírio nazista em estado puro.
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DISCO
RECOMPOSED BY MAX RICHTER - VIVALDI: THE FOUR SEASONS ***
Daniel Hope e Orquestra de Câmara de Berlim (Deutsche Grammophon, R$ 39)
O violinista britânico Daniel Hope interpreta uma das obras que estiveram no repertório de sua recente passagem por São Paulo: uma releitura de "As Quatro Estações", de Vivaldi, pelo compositor alemão Max Richter, em que a repetição obstinada de algumas células sonoras do original criam surpreendentes vínculos entre o barroco e o minimalismo contemporâneo.
Livraria da Folha
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