É jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. Escreve aos domingos, a cada duas semanas.
Graciliano Ramos tem seu lado irônico revelado em livro de entrevistas
Calado e taciturno no limite da rispidez e do mau humor. Essa imagem pública de Graciliano Ramos condiz com o rigor ético e o estilo de sua literatura, marcada por uma depuração da linguagem que reduz o existente a sua dimensão mais brutal.
"Conversas", livro inédito com entrevistas e depoimentos do escritor alagoano, retoca esse retrato árido do autor de "Vidas Secas".
Vários de seus entrevistadores relatam a dificuldade de marcar um encontro com Graciliano, sempre avesso à mundanidade da vida literária –para em seguida, vencida a resistência, notarem o caráter afável de suas respostas. É o caso de Joel Silveira, que conseguiu extrair um precioso relato de próprio punho do escritor, em "Graciliano Ramos Conta Sua Vida".
Em contrapartida, José Guilherme Mendes narra como cada uma de suas perguntas era "respondida quase como a chicotadas".
A reportagem vale pela sinceridade masoquista com que Mendes relata "a sova do romancista no jornalista" e pelo perfil terminal de Graciliano, corroído pelo câncer de pulmão e enrolando cigarros com dedos amarelecidos.
A célebre rejeição de Graciliano ao modernismo surge em vários momentos, mas é nuançada em conversa de 1942 com Osório Nunes: "Enquanto a poesia adquiria expressão, o romance modernista não tinha conteúdo. Creio, entretanto, que se não houvesse a independência do modernismo, José Lins do Rego não teria conseguido realizar o seu romance".
E a matéria venenosa de um salazarista português (que atribui a ele críticas ao comunismo e a Erico Verissimo) vem acompanhada de várias entrevistas com desmentidos indignados do escritor –tudo, contexto e biografias dos envolvidos, explicado em notas bibliográficas cuja precisão deveria servir de modelo para nosso meio editorial.
O volume traz ainda enquetes das quais Graciliano participou e causos nos quais diferentes interlocutores relembram suas tiradas sarcásticas.
Entre as narrativas anedóticas, está um diálogo dos anos 1930 com o então governador de Alagoas. Quando este conclui suas promessas vazias com a frase grandiloquente "Essa é minha última palavra", Graciliano despacha o político dizendo: "A minha é adeus, Excelência".
Diante de conversa fiada, o velho Graça não continha a língua afiada.
CONVERSAS * * * *
ORGANIZAÇÃO: Ieda Lebensztayn e Thiago Mio Salla
EDITORA: Record (420 págs., R$ 58)
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CONEXÕES
LIVROS
GARRANCHOS * * * *
Reúne mais de 80 textos, entre cartas e artigos de Graciliano Ramos, além de uma peça inacabada e um conto que ficara inédito.
AUTOR: Graciliano Ramos
ORGANIZAÇÃO: Thiago Mio Salla
EDITORA: Record (2012, 378 págs., R$ 52)
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GRACILIANO RAMOS E A NOVIDADE * * *
Pesquisa sobre o periódico cultural alagoano "Novidade", dos anos 1930, enfatiza a atuação de Graciliano ao lado de escritores como Aurélio Buarque de Holanda e Jorge de Lima.
AUTOR: Ieda Lebensztayn
EDITORA: Hedra/selo ECidade (2010, 498 págs., R$ 52)
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LIVROS
A PSICANÁLISE DOS CONTOS DE FADAS * * *
Bruno Bettelheim; tradução de Arlene Caetano (Paz e Terra, 448 págs., R$ 55)
Nesse estudo de 1976, Bettelheim (1903-1990) analisa a função dos contos infantis, com suas personagens e cenas aterrorizantes, no desenvolvimento da psique da criança. Contra a vigilância de pais que "tendem a tomar literalmente as coisas ditas nos contos", defende a ideia de que eles são "representações simbólicas de experiências de vida cruciais".
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O HOMEM DIANTE DA MORTE * * * *
Philippe Ariès; tradução de Luiza Ribeiro (Unesp, 837 págs., R$ 118)
Clássico de um dos pioneiros da história das mentalidades (que privilegia costumes privados e práticas culturais), essa obra monumental investiga as formas de lidar com a morte desde a Idade Média até a contemporaneidade. Ariès (1914-1984) relaciona o fatalismo, a indiferença ou o horror diante da extinção às fases da constituição da noção moderna de sujeito.
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DISCO
WALTON/HINDEMITH * * *
Christian Poltéra e Osesp (Bis, R$ 130, importado)
O britânico Frank Shipway (morto em agosto) rege a Osesp em dois concertos para violoncelo. À tempestuosa peça do alemão Paul Hindemith, de 1940, segue-se uma sonata para o instrumento solo. E, após o lírico concerto de William Walton, que estreou em 1957, o solista suíço Poltéra interpreta a "Passacaglia" do compositor inglês, ao mesmo tempo meditativa e enérgica.
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COLUNISTA DA sãopaulo LANÇA LIVRO
"Ela Me Dá Capim e Eu Zurro" é o primeiro livro de crônicas do poeta e escritor Fabrício Corsaletti, colunista da sãopaulo desde 2010.A obra recém-lançada inclui 59 textos, a maioria deles publicados na revista nos últimos quatro anos, além de quatro inéditos. Com doses de nonsense e um olhar lírico-cinematográfico, o autor promove uma observação aguda da vida em uma grande metrópole, mesclando aspectos cômicos, existenciais e poéticos.Corsaletti também é autor dos livros "Estudos para o Seu Corpo" (2007), "Esquimó" (2010, vencedor do prêmio Bravo!) e da coleção "Zoo", entre outros.
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