É jornalista com especialização em design, roteirista e consultora de qualidade de texto.
Escreve às sextas.
Lixo: Do prato ao prato
Na última quarta-feira (25), assim como um monte de paulistas, comi feijoada. Mas foi uma feijoada diferente. Numa mesa montada em um estacionamento, experimentei o feijão, a couve e os temperos cultivados no telhado do Shopping Eldorado, com adubo da compostagem do lixo orgânico gerado pelos restaurantes dali, que servem em média 10 mil refeições diárias.
BioIdéias/Divulgação | ||
Feijão cultivado no telhado verde do shopping, na Marginal Pinheiros, em São Paulo |
Na cobertura do prédio, que fica na Marginal do rio Pinheiros, caixas d´água, tubulações de ar condicionado, escadas e encanamentos dividem lugar com fileiras de caixotes de plástico onde crescem ervas, verduras, flores e frutas, somando 2,5 mil metros de plantação.
A feijoada celebrou com os funcionários do empreendimento a 11ª e a maior safra registrada lá desde a implantação da horta, no fim de 2012: foram colhidos, em maio, 20 kg de feijão preto, do tipo Una.
Mas a horta já deu muita alface, berinjela, pimentão, abobrinha, pimenta e flores, que foram divididos entre os cerca de 420 empregados das áreas de manutenção, limpeza, segurança e administração do shopping. Até o fim de 2014, se espera expandir a horta para 6 mil metros, ocupando toda a área útil da cobertura, e ter a maior fazenda urbana da América Latina.
O telhado verde do shopping é um caso de sustentabilidade. Recebe visitas de empresários de hotéis e shoppings, e escolas de todo o país. Já rendeu "mais de 100 TCCs" (trabalhos de conclusão de curso) de estudantes de faculdades, de acordo com Rui Signori.
Signori é o engenheiro agrônomo que elaborou o plano de gestão de resíduos e conseguiu –"depois de bater de porta em porta com um vasinho na mão"– conquistar a confiança de Sergio Nagai, também engenheiro e superintendente do shopping, em 2011.
BioIdéias/Divulgação | ||
Couve cultivada com adubo de compostagem do lixo orgânico gerado nos restaurantes de shopping |
A horta é considerada "a cereja do bolo" do projeto que pretende chegar ao lixo zero em 2016, o que significa resolver dentro do próprio empreendimento todo o resíduo gerado ali, fechando o ciclo. Existe já um trabalho de tratamento para reúso de água para a irrigação das áreas ajardinadas, que aguarda apenas a conclusão de uma tubulação. E Nagai pretende ampliar o tratamento dos efluentes para tornar potável toda a água utilizada.
O tratamento do lixo orgânico começa na coleta do lixo dos restaurantes. Na praça de alimentação, funcionários separam os restos de comida das bandejas e dos pratos de papéis, plásticos e vidros. Todo funcionário de limpeza passa uma hora por dia nessas ilhas de separação, o que é considerado um fator de sucesso do plano, por aproximar todos os envolvidos no processo de reciclagem.
Os materiais separados são enviados para o subsolo do shopping. Uma cooperativa contratada recolhe os recicláveis e também as lâmpadas. O material orgânico é separado por dois auxiliares de compostagem em recipientes onde é adicionado um primeiro catalisador biológico (biopolímero). Com a reação química, os resíduos atingem a temperatura de 60 graus e são transformados. Depois desse processo, é adicionado um outro biopolímero que acelera a compostagem. Concluído o ciclo, está pronto o composto que será usado como base e adubo para a horta, no telhado.
Sem os catalisadores, o tempo de compostagem comum de orgânicos pode chegar a 180 dias. A economia de tempo também gera economia de espaço –sem o acelerador seria necessário dispor de áreas maiores para o acúmulo de resíduos em vários estágios de decomposição.
Hoje, das 325 toneladas de resíduos geradas mensalmente em todo o shopping, são separadas 30 toneladas de material orgânico para essa compostagem acelerada, 45 toneladas de material reciclável –plásticos, papéis, vidros e lâmpadas, recolhidos por uma cooperativa, e as restantes 250 toneladas de lixo ainda são enviadas para aterros, pela coleta tradicional.
"O mais importante, com ou sem horta, é que estamos deixando de mandar para o aterro uma boa quantidade de resíduos e vamos ampliar isso", diz Sergio Nagai. "A primeira pergunta que me fazem é: quanto estou economizando. Não estou economizando nada. O mais barato é o que as pessoas faziam antigamente, que era mandar alguém jogar o lixo bem longe, de qualquer jeito. Mas isso não tem cabimento. Queremos zerar nosso impacto", diz.
Se não gera economia ainda, a operação também não é cara. Para a horta, são R$ 12 mil mensais com colaboradores, equipamentos, manutenção e mudas.
Para conseguir chegar até a implantação de uma horta, foi necessário um trabalho de análise do lixo orgânico gerado no local, para determinar a qualidade do resíduo e quais as enzimas necessárias para a sua decomposição. Após os testes, duas enzimas foram desenvolvidas pelo Instituto Bioidéias, de Rui Signori e do engenheiro Lázaro Sebastião Roberto. O processo é patenteado e deve ser implantado em mais dois shoppings no Rio de Janeiro ainda este ano.
O desenho do projeto depende da composição e da quantidade dos resíduos. "Os resíduos não são todos iguais. Não existe uma solução pronta para todos eles", diz Signori. "Sustentabilidade não é um produto. É um processo. É um projeto de pesquisa e ciência aplicada. Temos de fazer análises sistemáticas e periódicas para evoluir e adequar equipamentos e materiais", diz Signori.
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