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marcelo coelho

 

01/08/2012 - 03h00

Mais vilões, por favor

Vilões não faltavam nos filmes alemães, antes da chegada de Hitler ao poder. Caligari, Mabuse e o Vampiro de Dusseldorf são os personagens mais famosos de uma galeria de hipnotizadores e psicopatas que passou para a história do cinema.

Num livro clássico sobre o assunto, "De Caligari a Hitler", o crítico Siegfried Kracauer (1889-1966) observou que, embora houvesse muitos criminosos, era insignificante o número de detetives.

Kracauer é sempre um pouco rápido nas generalizações. Para ele, a ausência de detetives era sinal de uma certa instabilidade no processo civilizatório da Alemanha.

Democracias mais sólidas, como a Inglaterra, podiam perfeitamente imaginar cavalheiros capazes de restituir a lei e a ordem sem movimentar um músculo, como Sherlock Holmes e Hercule Poirot.

Pelo que me lembro das antigas histórias em quadrinhos, Batman também era, sobretudo, um detetive. Claro que, desde o começo, precisava realizar algumas proezas físicas com a "batcorda".

Além disso, seus inimigos eram tão mascarados e exóticos quanto ele, o que sem dúvida levou a que o seriado de TV dos anos 1960 desandasse numa verdadeira festa de Carnaval.

Não deixava de ser uma forma de simetria, no fundo. Um detetive irreal só poderia enfrentar inimigos na sua própria frequência de onda, e a ordem que ele restabelecia era quase tão fantástica quanto a desordem idealizada pelo Pinguim ou pelo Charada.

Há um bom tempo, de qualquer modo, a figura do detetive perde importância na cultura americana; lá o que conta é o super-herói.

Não poderia ser diferente, aliás, dado o fato de que os detetives clássicos americanos, mais realistas do que os ingleses, costumavam fracassar nas suas missões, transitando entre bebedeiras, mulheres, corrupção geral e ambiguidade.

Com a ascensão do super-herói, foi preciso inventar o supervilão. Não bastava o criminoso refinado, nem mesmo o assassino em série.

Teria de ser alguém com ambições de domínio mundial --e a ordem a ser restaurada não era mais a de um tranquilo bairro metropolitano, mas sim a de um planeta onde os Estados Unidos pudessem imperar sem ameaças.

Vendo o último filme de Batman, logo depois de ter assistido a "Os Vingadores", percebo que o sonho de dominar o mundo, que ocupava cientistas malucos e gênios ressentidos, já não é suficiente para sustentar a história.

Provavelmente a coisa ganhou força depois do 11 de Setembro: convergem, contra os super-heróis contemporâneos, inimigos que são ao mesmo tempo gênios do mal, invasores extraterrestres e gigantescas alterações no equilíbrio ecológico.

O vilão é uma espécie de coadjuvante no que se torna, antes de tudo, um filme catástrofe. O domínio do mundo já se provou impossível: trata-se, agora, de destruí-lo.

Certo, você pode dizer que Bane (Tom Hardy) é um tremendo vilão; mas não quero argumentar dando detalhes do final do filme, cuja surpresa resulta um bocado artificial e decepcionante.

Seja como for, a proporção dos perigos e das ameaças é tão gigantesca nesse filme, que uma boa vilã de antigamente, a Mulher-Gato (Anne Hathaway), termina reduzida a uma ladra de joias bastante sofisticada, como se fosse uma ressurreição nostálgica de um tempo em que só os milionários tinham algo a temer.

Ao mesmo tempo que a ameaça atinge dimensões planetárias, os poderes de Batman vão diminuindo, e há momentos do filme em que o super-herói se reduz à surrada condição dos Marlowes e Spades das novelas policiais realistas de 1930.

Realismo numa ponta (herói espancado, corrupção policial), fantasia científica na outra (super-reatores, explosões planetárias). Entre os dois, a ameaça de uma espécie de revolução organizada por milícias criminosas, algo entre a Al Qaeda e o Comitê de Salvação Pública de Robespierre.

Com perigos tão fantasiosos, e heróis tão manquitolas, quem sabe aquele atirador do Colorado, que matou 12 pessoas na estreia de "Batman", estivesse com uma pergunta no inconsciente.

"Onde estão os vilões? Onde estão, para que eu possa destruí-los?" Olhou à sua volta; não eram todos os possíveis, mas atirou em quem estava mais perto.

marcelo coelho

Marcelo Coelho, jornalista, é membro do Conselho Editorial da Folha. É autor dos romances 'Patópolis', 'Jantando com Melvin' e 'Noturno' e das coletâneas de ensaios 'Tempo Medido', 'Gosto se Discute' e 'Trivial Variado'. Comenta assuntos variados. Escreve às quartas e mantém um blog no site da Folha.

 

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