É membro do Conselho Editorial da Folha. É autor de romances e de coletâneas de ensaios. Comenta assuntos variados. Escreve às quartas.
Não é difícil acreditar na denúncia, mas falta muito para condenar Lula
Rodolfo Buhrer/La Imagem/Fotoarena/Folhapress | ||
Procurador da República Deltan Dallagnol apresenta denúncia contra ex-presidente Lula |
Lula está sendo denunciado sem provas? Não é bem assim. O Ministério Público Federal apresentou, num documento de 149 páginas, evidências de que o ex-presidente e sua mulher, Marisa Letícia, receberam vantagens da construtora OAS.
São os famosos casos do apartamento no Guarujá e das despesas com armazenamento de bens num depósito da Granero. O não menos célebre sítio em Atibaia ficou fora da denúncia.
O que mais enfraquece a tese da acusação é o fato de dois terços do documento —até a página 92— serem ocupados pela descrição de todo o esquema de corrupção na Petrobras. E, nesse ponto, o papel efetivo de Lula é tratado com muita retórica e pouco fundamento documental.
Lula "orquestrou", "comandou", "garantiu" a máquina de licitações fraudadas e propinas. Para o MP, a "engrenagem delituosa" funcionava "em benefício de Lula, não só pelas vantagens financeiras que recebeu, mas também pela governabilidade conquistada e pelo fortalecimento de seu partido".
Lula, repete o documento, era "o elemento comum, comandante e principal beneficiário" de tudo. Pode-se mesmo acreditar que a distribuição de "verdadeiros postos avançados de arrecadação de propinas", como diz a acusação, tivesse de contar com a participação ativa de Lula –tendo continuado mesmo depois de José Dirceu sair do governo.
Comprovou-se, até pela confissão dos envolvidos, que diretores da Petrobras como Paulo Roberto Costa embolsaram diretamente porcentagens de contratos arranjados entre o cartel das empreiteiras.
A questão é saber qual a verdadeira atuação de Lula no processo. O episódio mais forte diz respeito à nomeação de Paulo Roberto Costa, indicado pelo PP, para a diretoria de abastecimento da estatal.
Segundo relato do ex-deputado do PP Pedro Corrêa, houve uma reunião em que Lula exigiu diretamente ao presidente da Petrobras, José Eduardo Dutra, que Paulo Roberto Costa fosse nomeado. Havia resistências; o caso se estendia há seis meses. José Eduardo Dutra observou que não era tradição na empresa mudar de diretor de uma hora para outra.
Se fosse para respeitar a tradição, teria respondido Lula, eu nem seria presidente da República... Deu o ultimato: se Paulo Roberto Costa não fosse nomeado em uma semana, todo o Conselho de Administração da Petrobras seria demitido. Paulo Roberto foi nomeado.
É uma participação e tanto, embora o relato se baseie apenas na delação premiada de Pedro Corrêa. Outro delator, o ex-líder do PT no Senado Delcídio Amaral, corrobora a tese da intervenção pessoal de Lula.
Na falta de mais depoimentos, gravações ou papéis assinados, sobrou para o Ministério Público recorrer ao já suficientemente ridicularizado cartaz com círculos em volta de Lula, apontando-o como interessado na "propinocracia", no "mensalão", na "perpetuação criminosa do poder", e termos de peso retórico semelhante.
Ficamos então com o tríplex no Guarujá. Não há dúvida de que Lula e Marisa visitaram o apartamento, na companhia de ninguém menos que o presidente da OAS, Léo Pinheiro, combinando o que seriam as conveniências do casal.
A construtora, raciocina corretamente o MP, não gastaria quase um milhão em reformas personalizadas se pretendesse colocar o apartamento à venda para um desconhecido.
Trata-se de "lavagem de dinheiro" por parte de Lula e Marisa, como sustenta a acusação, ou mera aceitação ilegal de uma vantagem? Nem isso, diz Lula. Teria conversado com Léo Pinheiro, mostrando seu desinteresse no apartamento: os quartos eram pequenos, e escada não é boa para quem está com sua idade. O MP duvida, porque as reformas continuaram mesmo depois dessa conversa.
Em resumo, não é difícil acreditar no que diz o documento quanto ao "comando" de Lula, mas não é fácil apostar que o relatado seja suficiente para uma condenação.
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