É repórter especial da Folha,
autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp).
Escreve aos domingos
e às segundas.
Harvard dá 'mãozinha' para medicina do futuro
O ano é 2369, data interestelar 46001.3. Julian Bashir, um herdeiro da ultramedicina espacial popularizada pelo doutor Leonard McCoy a bordo da Enterprise, utiliza um campo biorregenerativo para acelerar a multiplicação celular e completar a construção do clone de Ibudan.
Nada disso teria sido possível se, 354 anos antes, Harald Ott tivesse fracassado com seu legendário experimento para regenerar o primeiro membro artificial num biorreator. Era só uma pata de camundongo, mas que permitiu um salto gigantesco para a humanidade, registrado na edição online do periódico especializado "Biomaterials" (bit.ly/1AIyVY1).
O feito se deu no famoso Mass General, o Hospital Geral de Massachusetts (MGH), em Boston, ligado à Escola Médica da Universidade Harvard. A equipe de Ott, que já havia trabalhado com a construção de órgãos artificiais como pulmões e rins, partiu para o desafio de montar algo bem mais complexo -um membro articulado.
"A natureza composta de nossos membros torna particularmente desafiador construir um substituto biológico funcional", declarou Ott em comunicado à imprensa (bit.ly/1cCHXtC) do Centro de Medicina Regenerativa do MGH.
Bernhard Jank/ Centro de Medicina Regenerativa do Hospital Geral de Massachusetts | ||
Bioengenheiros dos EUA regeneram pata dianteira de camundongo e pretendem repetir feito com primata |
Vista à luz do que viria depois, a experiência parece até um pouco tosca. O grupo tomou a pata dianteira de um camundongo morto e, por meio de detergentes especiais, retirou a maioria das células presentes. Sobrou uma matriz primária de nervos e vasos sanguíneos.
"Membros contêm músculos, osso, cartilagem, vasos sanguíneos, tendões, ligamentos e nervos - cada um dos quais tem de ser reconstruído e requer uma estrutura de suporte específica chamada de matriz", explicou o cirurgião-pesquisador.
"Mostramos que podemos manter a matriz de todos esses tecidos nas suas relações naturais uns com os outros, que podemos cultivar todo o conjunto por períodos longos de tempo e que podemos recolonizar o sistema vascular e a musculatura."
O passo seguinte foi recolonizar essa fantasma do membro com células precursoras de tecidos como músculos. A técnica inclui o emprego de estímulos elétricos (o que dois séculos depois alcançaria o refinamento dos campos biorregenerativos). Ao final, a pata reconstruída de roedor exibia contrações musculares com 80% da força de um camundongo recém-nascido.
O próximo salto planejado pelo grupo de Boston será regenerar nervos. Em paralelo, Ott e seus colaboradores já decelularizaram também a pata de um macaco babuíno, ou seja, caminham para repetir o processo com primatas. No seu horizonte está a reconstituição completa de membros para transplante em seres humanos amputados.
McCoy e Bashir talvez torcessem o nariz para o aspecto rudimentar do procedimento de Ott, mas eles nunca chegariam aonde homem algum jamais estivera se não fosse sobre os ombros desses camundongos de 2015.
Bernhard Jank/ Centro de Medicina Regenerativa do Hospital Geral de Massachusetts | ||
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