É repórter especial da Folha,
autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp).
Escreve aos domingos
e às segundas.
Luta contra o doping é uma causa perdida
Franck Fife/AFP | ||
A saltadora russa Ielena Isinbaieva, que está fora da Rio-2016 |
Em quatro dias começam os Jogos Olímpicos Rio-2016. Até os mais refratários a assistir e a praticar esportes, como alguns colunistas desta Folha, terminarão mesmerizados diante de um aparelho de TV, embevecendo-se com a plasticidade dos corpos e dos movimentos que jamais conseguirão imitar.
O lamentável é que as telas ficarão privadas das figuras e bravuras de uma Maria Sharapova (tênis), de um Ivan Ukhov (salto em altura), de uma Ielena Isinbaieva (salto com vara), de um Alexey Korovashkov (caiaque) e de tantos outros russos. Deu zica para os atletas do país governado pelo bombado Vladimir Putin.
A delegação da terceira maior potência olímpica chega ao Rio desfalcada pelo vírus do moralismo antidoping. Cinco dias atrás o colega Hélio Schwartsman já denunciou as bases frágeis da ideologia antifarmacológica que tenta banir as drogas dos Jogos, e há pouco para acrescentar à argumentação ética que apresentou.
Só caberia ponderar também que a luta contra o doping é uma causa perdida. Sempre houve e sempre haverá especialistas tentando encontrar e utilizar substâncias que ainda não tenham entrado no rol das proibidas, ou subterfúgios (quando não trapaças metódicas como se viu na Rússia para escapar da detecção.
Laboratórios cada vez maiores e mais aparelhados se fazem necessários para flagrar essas tentativas. Parece uma corrida armamentista, um lado sempre buscando desenvolver dispositivos novos para suplantar ou enganar o adversário. Não há vencedores nessa guerra.
Tudo, ao final, é uma questão de tecnologia. Se se admite que novos materiais e trajes contribuam para melhorar de maneira infinitesimal o desempenho de atletas, o mesmo deveria ocorrer com fármacos.
O primeiro nadador que depilou o corpo todo por certo obteve ligeira vantagem sobre os adversários, mas só nas primeiras provas. O que é feito às claras tende a ser copiado por todos nas competições seguintes.
Resultaria mais barato, e mais democrático, exigir que cada atleta declarasse as substâncias usadas e entregasse uma amostra de sangue ou urina para eventuais exames, cujos resultados seriam de publicação obrigatória.
O Comitê Olímpico Internacional aposentou em boa hora, nos anos 1990, outra ficção moralista, a dos atletas amadores, que produziu um cipoal de normas bizantinas como as do doping. Está na hora de dar um novo salto à frente.
*
A goleira da seleção norte-americana de futebol, Hope Solo, já se desculpou por ter publicado nas redes sociais uma foto com seu kit preventivo contra a zika. Além do ridículo mosquiteiro que só lhe cobria a cabeça, ela parece ignorar que no Rio corre mais perigo de contrair dengue do que zika.
Todos têm o direito de cuidar da saúde como bem entenderem, mas o comportamento é típico de seu país. Alarmam-se à toa por qualquer coisa que se refira a riscos diminutos de adoecer.
Por exemplo: a cada Dia de Ação de Graças, o principal feriado nacional deles, pululam na imprensa gringa dicas e regras sobre a temperatura certa que o interior do peru assado deve alcançar para prevenir intoxicações alimentares. Isso num país em que 13.286 pessoas foram mortas e 26.819 saíram feridas por armas de fogo em 2015.
Seguindo a dica do canguru com que bem-humorados australianos presentearam o falante prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), um brasileiro mais carrancudo poderia dar a Solo um colete à prova de balas para sua viagem de regresso à pátria.
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