Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Ambiente é destaque em Davos, mas bichos que sofrem dominam as redes

Crédito: Cristina Mittermeier/Instagram Urso polar cambaleia de fome no Canadá
Urso polar cambaleia de fome no Canadá

São eles, os ricos, que estão dizendo: a questão ambiental domina o panorama dos riscos globais. A mudança climática, fruto do aquecimento global turbinado pela humanidade, é a segunda tendência mais preocupante, depois da disparidade de renda e riqueza combinada com a crescente polarização das sociedades.

A mensagem está no centro do "Relatório de Riscos Globais 2017" do Fórum Econômico Mundial, convescote invernal de bacanas que começa na terça-feira (23) em Davos, Suíça.

Pela primeira vez, todos os cinco riscos ambientais avaliados –eventos meteorológicos extremos, incapacidade de mitigar a mudança do clima, catástrofes naturais, escassez de água e perda de biodiversidade– foram classificados como de alta probabilidade e alto impacto.

Dito de outro modo, no ano passado desmilinguiu o impulso que o tema tinha adquirido em 2016, após o relativo sucesso da cúpula do clima na França.

Estados Unidos e China, que viviam a bicar-se na matéria, ratificaram o Acordo de Paris para conter o aquecimento global. Aí Donald Trump foi eleito, mas não só. A agenda ambiental recuou no mundo todo, do Brasil à Alemanha.

Michel Temer (MDB), não exatamente eleito, dá dois passos atrás e nenhum para a frente, sacudindo tudo ao som do funk ruralista. Angela Merkel (CDU) vê a liderança climática de seu país esvair-se na própria incapacidade de cumprir as metas avançadas de redução de gases do efeito estufa que assumiu.

Sirva de consolação o fato de a imprensa voltar a dar atenção para o assunto. Nem tudo está perdido –ou está?

Desanima ver o ranking de notícias climáticas mais populares –vale dizer, mais compartilhadas– da Climate Feedback, uma rede com centenas de especialistas que avaliam o conteúdo de reportagens publicadas sobre o tema. Sua tarefa: dar uma nota para cada matéria, de -2 (credibilidade científica muito baixa) a 2 (muito alta).

A notícia campeã foi postada pela "National Geographic" em 7 de dezembro, sob o título "Vídeo de Partir o Coração Mostra Urso Polar Faminto em Ilha sem Gelo". Embora faltassem pouco mais de três semanas para terminar 2017, mais de 1,2 milhão de pessoas compartilharam a reportagem e fizeram dela a mais popular do ano passado.

O título diz tudo. Bicho fofo vai morrer por culpa da gente, oh. O que a reportagem não conta, e por isso passou raspando como "neutra", com a nota pífia 0,3, é que não há como vincular de modo causal a fome daquele animal em particular com o aquecimento global, suposta causa da ausência de gelo onde ele vive.

A segunda matéria mais compartilhada foi "A Terra Inabitável", uma fantasia alarmista da "New York Magazine" (não confundir com a "New Yorker") que tomou um -0,7 dos universitários da Climate Feedback. Passemos.

O terceiro lugar ficou com "Há Doenças Ocultas no Gelo, e Elas Estão Acordando", da BBC. Nota zero (neutra).

Em resumo: o comum das pessoas se vê tocado, antes de todo o resto, por notícias apelativas. A complexidade científica, o impacto futuro e a urgência política escorrem pelo ralo das redes sociais.

É de chorar.

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