Marcelo Viana

Diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.

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Marcelo Viana

Pál Erdos, para quem matemática era vida

Crédito: Wikimedia Commons O matemático Pál Erdős
O matemático Pál Erdős

O matemático húngaro Pál Erdős (pronuncia-se 'Érdech') esteve no Brasil uma única vez em 1994, a convite do professor Yoshiharu Kohayakawa, da Universidade de São Paulo. A essa altura, já era uma lenda viva. A estadia foi típica do modo –excêntrico– como escolheu viver sua vida.

Visitou diversas instituições, inclusive o Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), interagindo com colegas e alunos. Ao final, já tinha um trabalho de pesquisa em colaboração com Yoshiharu e outro colega.

Erdős nasceu em Budapeste em 1913, terceiro e último filho de um casal de professores de matemática judeus. As duas irmãs morreram de escarlatina poucos dias antes de seu nascimento. O pai foi prisioneiro de guerra, na Sibéria, de 1914 a 1920.

Esses anos duros, lutando pela subsistência, forjaram um vínculo extraordinário entre mãe e filho. Erdős nunca se casou nem teve emprego formal, e não fixou residência. Passou a vida viajando pelo mundo, com a ajuda de colegas e amigos, com todos os seus bens contidos em duas malas: uma com roupas, outra com trabalhos matemáticos. A mãe o acompanhou enquanto viveu.

Em número de trabalhos escritos, é o matemático mais prolífico da história: foram 1.525, quase todos em colaboração com outros. Amigos homenagearam sua generosidade intelectual e prazer em colaborar inventando a noção de "número de Erdős".

Aqueles que escreveram algum artigo de pesquisa diretamente com ele, como Yoshiharu, têm número 1. São 511. Meu colega Gugu, do Impa, tem trabalhos com Yoshiharu e, por isso, tem número de Erdős 2. São mais de 11 mil. Eu tenho artigos com Gugu, logo tenho número 3. Mas somos tantos que ninguém se presta a contar! Pesquisa recente com 400.000 matemáticos mostrou que o maior número de Erdős é 13.

Grandes matemáticos costumam ser divididos em dois tipos: os desenvolvedores de teorias –que abrem caminhos, formulam grandes perguntas– e os resolvedores de problemas –que respondem a perguntas concretas, possivelmente muito difíceis.

Erdős foi o exemplo perfeito da segunda classe, resolvendo desafios com técnicas inéditas que abriram novas áreas de estudo, como, por exemplo, a aplicação de métodos probabilísticos em combinatória. Tinha também um talento inigualável para fazer perguntas específicas, que ainda norteiam a pesquisa em certas áreas da matemática.

Dava praticamente todo o dinheiro que ganhava e ainda oferecia prêmios pela resolução de problemas matemáticos. Os prêmios continuam valendo depois de sua morte: os ganhadores podem receber um cheque assinado pelo próprio Erdős, que não vale mais dinheiro, ou um cheque que dá para descontar. Quase todos preferem a primeira opção.

"Você não precisa acreditar em Deus, mas tem que acreditar no Livro", dizia, referindo-se a um livro sobrenatural onde, acreditava, estariam escritas as mais belas e perfeitas demonstrações matemáticas. De quem morria, dizia que "partira". E de quem parava de fazer matemática, dizia que tinha "morrido". Explicou como queria partir: "Dando palestra sobre uma demonstração importante e alguém pergunta 'E o caso geral?'. Aí eu sorrio, digo 'Fica para as próximas gerações!' e caio fora".

Muito perto do que aconteceu em 20 de setembro de 1996, quando sofreu um ataque cardíaco durante uma conferência em Varsóvia.

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