Marcelo Viana

Diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Marcelo Viana

Questão matemática mais famosa esperou mais de 300 anos por solução

Crédito: M.Kemal/Flickr "Teorema" de Fermat guarda relações profundas com muitas outras questões importantes da matemática
"Teorema" de Fermat guarda relações profundas com muitas outras questões importantes da matemática

Por volta de 1637, o francês Pierre de Fermat escreveu na margem do livro "Arithmetica", do matemático Diophantus (que viveu no século 2): "A equação AN + BN = CN não tem soluções inteiras se N for um inteiro maior que 2. Encontrei uma prova realmente maravilhosa deste fato mas a margem é demasiado estreita para contê-la."

Essa anotação foi encontrada depois de sua morte e, durante mais de três séculos, os matemáticos lamentaram amargamente que a margem não fosse maior, pois ninguém conseguiu encontrar a prova que Fermat afirmava ter.

Na origem do problema está o teorema de Pitágoras, que todos conhecemos da escola: "em qualquer triângulo retângulo, se A e B forem os comprimentos dos lados menores –os catetos– e C o comprimento do lado maior –a hipotenusa– então A2 + B2 = C2".

Este teorema leva o nome do filósofo grego Pitágoras (570-495 a.C., aproximadamente) porque se acredita que ele tenha sido o primeiro a prová-lo matematicamente. Mas o enunciado era conhecido muito antes, pelas grandes civilizações da Mesopotâmia e do Indus.

É interessante estudar a equação A2 +B2 = C2 no caso especial em que A, B e C são números inteiros. Atualmente sabemos que há um conjunto infinito de tais soluções, por exemplo, (A = 3, B = 4, C = 5) e (A = 5, B = 12, C = 13).

"Arithmetica" é um conjunto de treze textos de Diophantus sobre equações desse tipo, em que as soluções são números inteiros. Fermat não foi o único a fazer anotações em suas margens. O estudioso bizantino Janos Chortasmenos (1370-1437) escreveu na mesma página: "Que tua alma esteja com Satanás, Diophantus, pela dificuldade dos teus teoremas, especialmente este aqui."

Embora a maioria desses textos tenha sido perdida, uma parte foi traduzida para o latim e publicada na Europa a partir do final do século 16, tornando-se muito influente.

Pierre de Fermat nasceu nos primeiros anos do século 17 e morreu em 1665. Foi juiz e matemático, além de exibir uma erudição fora do comum em muitos outros assuntos, Entre as suas descobertas mais importantes conta-se a lei –princípio de Fermat– segundo a qual a luz se desloca de um ponto a outro pelo caminho que minimiza a duração do trajeto. Está na origem de uma das leis mais fundamentais da física: o princípio da mínima ação (ou "lei do menor esforço", em linguagem coloquial).

Fermat também fez descobertas importantes no cálculo –Newton reconheceu ter sido inspirado por ele– e é considerado o criador da teoria dos números moderna. Ele mesmo provou o caso N = 4 de sua famosa afirmação, e outros casos particulares foram provados depois. Mas a tentativa de provar o caso geral, ou seja, de encontrar um argumento que valha para todos os valores de N maiores que 2, resistiu aos esforços de muitos dos melhores matemáticos ao longo de mais de 300 anos.

Em 1983, o alemão Gerd Faltings (nascido em 1954) provou que se existirem soluções inteiras da equação AN + BN = CN então, essencialmente, elas são em número finito. Por esse trabalho, Faltings ganhou a medalha Fields, a mais prestigiosa premiação da matemática, em 1986.

Durante muito tempo, o "teorema" de Fermat podia ser considerado apenas uma curiosidade matemática, que instigava a curiosidade por ser tão fácil de formular e tão difícil de provar. Mas isso mudou radicalmente na segunda metade do século 20, quando foram descobertas relações profundas com muitas outras questões importantes em matemática.

Em 23 de junho de 1993, o matemático britânico Andrew Wiles (nascido em 1953) deu uma palestra na Universidade de Cambridge, discretamente intitulada "Curvas elíticas e representação de Galois". Ao final a audiência aplaudiu de pé: Wiles acabava de anunciar que provara o teorema de Fermat! Era o culminar de um esforço solitário que começara sete anos antes, quando Wiles decidira se dedicar a esse problema.

O Congresso Internacional de Matemáticos (ICM) seguinte, onde são entregues as medalhas Fields, só teria lugar na Suíça em 1994, quando Wiles teria 41 anos. Será que a União Matemática Internacional (IMU) iria quebrar a tradição de só conceder a medalha Fields a matemáticos de até 40 anos?

Em setembro de 1993, porém, foi descoberto um erro grave na prova... Wiles demorou um ano para consertá-lo, e os trabalhos com a prova corrigida só foram publicados em 1995. O problema mais famoso da matemática estava, enfim, resolvido! Uma grande honra, mas a oportunidade para a medalha Fields tinha passado definitivamente.

No ICM de 1998, em Berlim, a IMU fez uma homenagem especial a Wiles, por meio de uma placa de prata (curiosidade: a placa foi desenhada e fabricada no Brasil). Na entrega, o presidente da União brincou dizendo que "infelizmente a placa é demasiado pequena para conter a prova": os trabalhos de Wiles sobre o teorema de Fermat têm mais de 120 páginas!

O seguinte texto aparece numa coleção de quebra-cabeças do século 5: "Aqui jaz Diophantus, vejam que maravilha. Por arte matemática, a pedra nos diz a duração de sua vida. Deus lhe deu um sexto da vida por infância. Mais um duodécimo por juventude, quando surge a barba. Um sétimo mais e começou o tempo do casamento. Cinco anos passaram e um filho chegou. Tragédia, o herdeiro foi levado pelo destino quando tinha por idade a metade da vida de seu sábio pai. Depois de se consolar com a ciência dos números por quatro anos mais, terminou Diophantus enfim sua existência."

Com que idade morreu Diophantus? Respostas são bem-vindas pelo e-mail viana.folhasp@gmail.com.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.