Marcius Melhem é ator e humorista brasileiro. Ele é roteirista do 'Zorra' e do 'Tá no Ar' e autor de peças de teatro.
Nem a ciência nem a religião evitaram a tristeza da morte do meu amigo
O receio de perder o outro nasce com a gente. E, por ironia, é a única coisa que a gente não perde.
Ainda bebês, ficamos em pânico com aquela sádica brincadeira do "Cadê papai? Achou!" ou "Sumiu/ apareceu".
Quando nossos pais escondem o rosto com as mãos, nos presenteiam com um segundo e meio de pavor absoluto e depois sorriem do nosso medo de que eles nunca mais estivessem ali.
Anos depois, quando o sádico já era eu, perguntei à minha analista se era justo brincar disso com as minhas filhas.
Débora Gonzales/Folhapress |
E aprendi que há um efeito positivo nesse jogo, pois a perda momentânea é seguida da reafirmação da presença.
A criança passa a saber que se o pai se esconde com as mãos, ou vai trabalhar, ou viaja, ele voltará.
Mas o receio de perder o outro continua em nós.
Uma vez li um estudo sobre a morte que falava sobre como ela foi sendo desnaturalizada na civilização ocidental.
Antigamente, se alguém estava à beira da morte, ficava deitado em sua cama, recebia seus familiares e amigos, partilhava seus bens, dizia suas últimas palavras e os mais próximos se despediam.
Havia uma transição entre o estar/não estar. A despedida tinha muita importância.
Com o avanço da medicina, a morte foi sendo tirada do nosso convívio.
Se alguém está mal é logo internado, e quanto pior estiver, menos pode receber visitas.
Quando a morte chega, não temos mais a despedida.
Só a notícia.
Nós temos muito medo da morte. E dedicamos bilhões de qualquer moeda para que a ciência nos ajude a adiar esse encontro marcado.
Outros tantos bilhões circulam na indústria da fé, para que nos convençam de que a morte não existe de fato.
Nesta semana, nem a ciência nem a religião evitaram a tristeza da morte do meu amigo Moreno.
Queria muito que ele estivesse brincando de "Sumiu/apareceu".
Queria muito ter me despedido.
Um enorme beijo e todo meu amor pra você, Moreno.
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