Marcos de Barros Lisboa, 52, é doutor em economia pela Universidade da Pensilvânia. Foi secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda entre 2003 e 2005 e é Presidente do Insper.
De boas intenções o inferno está cheio
Eduardo Knapp/Folhapress | ||
Vista do centro de São Paulo |
Diversas decisões judiciais recentes comprometem o acesso ao crédito. O resultado pode ser o retorno aos anos 1990, quando os empréstimos eram bem mais escassos, e as taxas de juros, ainda maiores do que na última década.
Um exemplo é o financiamento de novos imóveis.
O termo distrato tem sido utilizado para qualificar a desistência de compra de um imóvel ainda em construção. A denominação, porém, é inadequada. Distrato se refere à revisão consensual de um acordo, e não é isso o que ocorre.
Antes de o prédio estar concluído, alguns se arrependem da compra e pedem para receber todo o dinheiro já pago. Algo como encomendar um terno, pagar a primeira parcela e, pouco antes de recebê-lo, desistir da compra e pedir o dinheiro de volta, para prejuízo do alfaiate.
O Judiciário tem concedido ganho de causa aos compradores e ordenado o seu pagamento imediato.
Os recursos, no entanto, em grande medida, já foram gastos na obra, e muitas construtoras têm que vender os apartamentos rapidamente para arcar com as obrigações, algumas perdendo a maior parte do seu patrimônio líquido.
Além disso, muitos prédios foram financiados com taxas de juros mais baixas, porque a venda prévia de muitos apartamentos reduzia o risco de inadimplência.
A disseminação do distrato significa que essa expectativa estava errada.
Algo similar ocorre nos empréstimos para empresas que oferecem seus equipamentos como garantia, que poderiam ser retomados e vendidos em caso de inadimplência, reduzindo o risco de crédito e a taxa de juros.
Decisões judiciais, porém, têm impedido a retomada dos equipamentos, pois seriam essenciais para a produção.
A suspensão do pagamento das dívidas e da execução das garantias também foi concedida a alguns governos estaduais.
Essas decisões resultam em maiores perdas esperadas nas operações de crédito. O seu desdobramento é a redução dos novos empréstimos, onerados por maiores custos, o que termina por prejudicar as famílias que desejam comprar seus imóveis na planta, assim como as empresas e os Estados que desejam financiar seus investimentos.
Os clientes pagam muito pelos seus empréstimos e, apesar disso, alguns bancos deixaram o Brasil nos últimos anos, enquanto os que ficaram optam, cada vez mais, por oferecer outros produtos como seguros, previdência e gestão de ativos. As novas regras pioram o mercado de crédito para todos os participantes, bancos e clientes.
Mefistófeles se apresenta a Fausto, no poema trágico de Goethe, como parte daquele poder que quer fazer o mal, mas termina por fazer o bem. No país de ponta-cabeça, alguns querem fazer o bem, mas terminam por fazer o mal.
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