Entre 2005 e 2015, adotaram-se diversas políticas públicas que, ao mesmo tempo, derrubaram a produtividade, comprometeram as finanças públicas, reforçaram a desigualdade de oportunidades e acabaram nos jogando na recessão de 2014-16. Um recorde de equívocos até para um país acostumado a errar muito.
Houve fechamento da economia e proteção a oligopólios. Benefícios tributários para setores e indústrias específicas, sem avaliação de impacto e com perda de receita fiscal. Foram alterados, para pior, os marcos regulatórios do setor elétrico e de petróleo. Criaram-se empresas estatais desnecessárias. Distribuíram-se subsídios a empresas com capacidade de tomar dinheiro em mercado. A lista é grande, e tomaria todo o espaço da coluna se pretendesse ser exaustiva.
Qual teria sido a causa da enxurrada de más políticas? Explicações possíveis: 1) tentativa de indução do crescimento pelo Estado —“desenvolvimentismo”; 2) captura do Estado por grandes grupos econômicos; 3) corrupção; 4) embriaguez do boom de commodities, com desperdício do dinheiro que entrava fácil.
O excelente livro de Malu Gaspar sobre a história da Odebrecht —“A Organização”— mostra que houve um pouco de tudo, junto e misturado.
Há casos em que a captura do Estado exigiu que se criasse uma teoria para dourar a pílula. Vejamos, por exemplo, o financiamento subsidiado a obras no exterior.
O capítulo 16 do livro registra que, em 2011, a Odebrecht obteve 70% de todos os créditos à exportação de serviços concedidos pelo Brasil. O domínio tinha a ver com a habilidade de uma lobista, de apelido Barbie, junto à Câmara de Comércio Exterior —Camex. Ao então ministro responsável pela Camex a Odebrecht teria pago R$ 12 milhões em propina para facilitar a aprovação, ao longo dos quatro anos de gestão do ministro, de R$ 8,6 bilhões em financiamentos.
Para justificar tecnicamente a política, criou-se uma “narrativa” de que se tratava de apoiar a exportação de serviços de alto valor, com efeito multiplicador na economia nacional, entrada de divisas e outros benefícios. Argumentos frágeis, como mostrei em artigo de abril de 2014.
O mesmo ocorreu com as inúmeras concessões de benefícios tributários. O livro afirma que o Regime Especial da Indústria Química, por exemplo, foi feito sob medida para a Braskem, injetando de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões no caixa da companhia. E conclui que o ministro da Fazenda “conhecia o valor das medidas para a Odebrecht.(...). Quando chegou a hora, ele foi direto: ‘Marcelo, a campanha está se aproximando, eu tenho uma expectativa de contribuição. Cem milhões”.
Na exposição de motivos da MP 613/13, o benefício criado sob medida para uma empresa ganha uma justificativa “desenvolvimentista” genérica, sem avaliação de custo de oportunidade ou quantificação do impacto esperado:
“A indústria química em geral é caracterizada por grande diversidade, integrando praticamente todas as cadeias produtivas, com altos índices de encadeamento para frente e para trás. (...) sua atividade gera efeitos multiplicadores importantes sobre a produção, emprego e renda nacionais, sendo, portanto, estratégica”.
Em outras situações, parece que o voluntarismo do governo determinava a política. Os empreiteiros amigos, mesmo sabendo que não daria certo, tinham que entrar para perder e, com isso, preservar o acesso a outros privilégios.
No capítulo 13, por exemplo, o livro cita a irritação de Marcelo Odebrecht com exigências excessivas de compra de insumo no mercado interno: “‘Se a Coreia do Sul, que é o maior fabricante de sondas do mundo, trabalha com 35% de conteúdo nacional, como pode o Brasil, que nunca produziu nenhuma sonda, querer 60%?’, perguntava Marcelo nas conversas com seus pares”. Estava certo: a iniciativa afundou, sem entregar uma sonda sequer, deixando rombo bilionário.
O livro é um registro sistemático do que nos acostumamos a ler a conta-gotas nos jornais e que poderia cair no esquecimento. Um antídoto às tentativas de reescrever o passado.
Ver tudo junto, em um só volume, impressiona pelo envolvimento de grande número de pessoas e instituições, públicas e privadas. Todos irmanados na simbiose das políticas públicas ruins com as péssimas intenções.
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