Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 

marcos augusto gonçalves

 

24/12/2012 - 04h32

Zarif

Foi no início de 1984, tempos do Radar Tan Tan, Rose Bom Bom, Carbono 14 e Napalm, que desembarquei em São Paulo. Frequentávamos as "danceterias" para mergulhar na balada e ver as novas bandas brasucas, que pulavam da panela como pipoca. Barão Vermelho, Paralamas, Titãs, Legião Urbana , Ira!, Mercenárias, Inocentes, RPM, Lobão --uma lista interminável.

Foi nessas andanças que conheci Fernando Zarif. Elegante em suas roupas quase sempre pretas, calvície precoce e cabelos desalinhados, era uma figura que não passava despercebida. À época fazia sucesso o palhaço Bozo e, certa vez, na pista de um desses lugares, fiz uma brincadeira sobre uma hipotética semelhança entre os dois. Fuzilou-me com o olhar. Depois nos conhecemos melhor, ficamos amigos e entendi a completa inadequação de minha piada.

Fernando Zarif era um cara talentoso, culto, transgressivo, com humor esplêndido. Seu generoso apartamento no Itaim --casa, biblioteca, ateliê, pista, gamão, vida in progress-- foi um animado salão durante boa parte dos anos 1980 e 1990. Por ali passou "todo mundo". Isso quer dizer: artistas plásticos, atores, diretores de teatro e cinema, cenógrafos, músicos, cantores, escritores, jornalistas, além de figuras esquivas e aristocráticas que vagavam por aquelas madrugadas modernas. Para citar alguns nomes: Tunga, Jac Leirner, José Resende, Fernanda Torres, Marisa Monte, Bia Lessa, Giulia Gam, Titãs, Paulo Ricardo, Pedro Bial, Otávio Muller, Mauro Lima...

O guitarrista e autor Tony Bellotto descreveu, em seu blog, o clima do lugar: "Foi uma verdadeira embaixada do pensamento livre e da celebração da arte e da vida. Encontrava-se de tudo nas noitadas no apê do Zarif. Lembro-me até hoje da quantidade de livros, discos, quadros, esculturas e objetos que se espalhavam pela sala e pelos quartos. E das pessoas que surgiam --e desapareciam-- no corredor, na cozinha (que abrigava uma das geladeiras mais bem fornidas de que se tem notícia), no banheiro, na varanda. Sem contar os sustos que eu levava quando dava de cara, ao dobrar uma das esquinas do apê labirinto transcendental, com a presença etérea do gato Jesus caminhando pelas paredes, o Sancho Pança perfeito para um Quixote como o Zarif".

Hoje, dia 24 de dezembro, faz dois anos que Fernando morreu. Tinha 50. Deixou, além das lembranças, uma obra --extensa, por sinal-- que precisa ser conhecida.

Era um artista de mão cheia. Desenhava muito bem, pintava , usava materiais variados e criava ótimos "ready-mades". Também escrevia. Lembro-me de uma época em que não saía da frente de seu Mac. Lia, lia e lia para os amigos suas narrativas supreendentes.

Família e amigos criaram o Projeto Fernando Zarif, que está catalogando e tratando dos trabalhos. Quem quiser, pode ter uma ideia no blog ("[projetofernandozarif.blog
spot.com.br]":http://projetofernandozarif.blogspot.com.br). Vale também uma busca no YouTube para os vídeos de seus cadernos de arte.

O plano agora é fazer um livro --e já foi obtida autorização para captar recursos via lei de incentivo. Tomara que no próximo Natal a gente possa dar de presente um lindo livro do Zara. :- )

marcos augusto gonçalves

Marcos Augusto Gonçalves escreve para a Folha de Nova York. É editorialista e colunista do jornal. É autor de 'Pós Tudo - 50 Anos de Cultura na Ilustrada' (Publifolha, 2008) e de '1922 - A semana que Não Terminou' (Cia das Letras, 2012).

 

As Últimas que Você não Leu

  1.  

Publicidade

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página