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marcos augusto gonçalves

 

22/04/2013 - 03h00

'Va fare un caffè'

"Confesso que estou em estado de choque", disse a galerista nova-iorquina à primeira visão da residência onde viveu em São Paulo o casal Lina e Pietro Maria Bardi. A Casa de Vidro foi projetada e construída pela arquiteta no início da década de 1950, no bairro do Morumbi, então uma área erma da cidade.

A estupefação da visitante estrangeira é compreensível. Suspensa sobre pilotis, a construção flutua, leve e despojada, em comunhão com o verde exuberante da mata atlântica. É um marco da arquitetura paulista, brasileira, latino-americana, moderna --da época em que dois projetos famosos foram desenvolvidos nos EUA, por Paul Johnson e Mies Van der Rohe, a Glass House e a Farnrsworth House. Durante a SP-Arte, a casa recebeu um cortejo de curadores, galeristas, artistas e colecionadores para a inauguração da segunda fase da exposição "O Interior Está no Exterior". O intuito do curador suíço Hans Ulrich Obrist era fazer "um dupla homenagem à Casa de Vidro e à sua criadora". O projeto estendeu-se ao Sesc Pompeia, outra referência histórica da obra de Lina, que completa 30 anos neste 2013.

Estive lá na semana da feira de arte para uma performance do músico-artista Arto Lindsay e a inauguração de um belo trabalho de Ernesto Neto, que pende das pontes de concreto dos edifícios dos fundos do complexo. Na ocasião, aliás, deparei-me com José Celso Martinez Correa em trajes um tanto formais. Não resisti e postei no Instagram uma foto do grande diretor, com a legenda: "Dioniso de gravata". "A Lina gostava", disse-me ele.

Sábado passado voltei ao Sesc para ver alguns vídeos e uma mostra sobre a construção daquele espaço de convivência, que irradia como nenhum outro em São Paulo a promessa de uma sociabilidade democrática, ancorada em cultura e criatividade.

Achillina Bo nasceu em Roma em 1914, morou e trabalhou em Milão, e veio para São Paulo no final da década de 1940, com o marido Pietro Maria, convidado por Assis Chateubriand a criar o Masp. Lina, como se sabe, projetou a atual sede do museu, inaugurada em 1968. Sua obra sempre manteve estreita relação com o mundo das artes. Antes do Masp já havia trabalhado na implantação do Museu de Arte Moderna da Bahia, comandando a recuperação do Solar do Unhão. É dela também o desenho do Teatro Oficina. Sua influência transcendeu a arquitetura e tocou outras áreas da cultura brasileira --como o cinema novo e o tropicalismo.

Socialista, Lina inflamava-se em discussões políticas. Conta-se que em conversas com amigos ao pé da lareira, ao pressentir que a coisa ia engrossar, Bardi sugeria à mulher: "Lina, va fare un caffè"... A frase foi tomada pelo artista Cildo Meireles para uma instalação sonora e olfativa na mostra --que é sobretudo uma chance de ver essa grande obra que é a casa.

Cheguei a cogitar em retomar aqui o tema da coluna da semana passada, a maioridade penal, que continuou dando pano para manga nos últimos dias. Menos pela sua relevância (que é mínima diante dos problemas de segurança que São Paulo e o Brasil enfrentam), e mais, quem sabe, por servir de alimento para esse debate já ranheta entre "conservadores" e "progressistas". Começava a me mobilizar novamente com o assunto quando uma sábia voz interior disse para mim mesmo: "Marcos, va fare un caffè".

marcos.augusto@grupofolha.com.br

marcos augusto gonçalves

Marcos Augusto Gonçalves escreve para a Folha de Nova York. É editorialista e colunista do jornal. É autor de 'Pós Tudo - 50 Anos de Cultura na Ilustrada' (Publifolha, 2008) e de '1922 - A semana que Não Terminou' (Cia das Letras, 2012).

 

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