2016 começa quente, não apenas no clima, mas em acontecimentos de elevado potencial desagregador.
Eles vão desde os desdobramentos da campanha eleitoral nos EUA, passam pelos nervos à flor da pele com o atrito Irã-Arábia Saudita e desembocam nas incertezas com que a China administra sua transição de modelo econômico.
Acrescentem-se o problema dos refugiados na Europa, a virulência do terrorismo do Estado Islâmico e da Al Qaeda e a imprevisibilidade das ações externas de Rússia e Turquia. Compõe-se daí quadro que se revela o mais perigoso desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
Muitos desses desdobramentos escapam àquilo que tradicionalmente poderíamos chamar de "razão aplicada à geopolítica". A saber, uma forma de conduta internacional em que a relação custo-benefício, medida sobretudo em termos de ganhos político-econômicos conducentes a situações hegemônicas, é o principal parâmetro a orientar o comportamento das potências.
Nessa linha, a modalidade de jogo geopolítico que se seguiu à derrota das potências do Eixo, comparada a que temos hoje, mostrava-se bastante mais ambiciosa e calculista.
A Guerra Fria era simultaneamente global e "racional". Para além de medir-se em filiações territoriais e ideológicas, tinha como fontes de alimentação duas doutrinas "ocidentais" –os valores político-econômicos das democracias liberais contrapostos aos postulados marxistas da Cortina de Ferro– que perseguiam uma "vitória final".
Há quase nada de motivações "globais" ou "instrumentais" na ebulição entre sauditas e iranianos. Tampouco no apetite russo pela Crimeia e na porção mais oriental da Ucrânia.
E é assim também com o enorme ressentimento que China e Coreia do Sul continuam a alimentar em relação às sangrentas incursões do Japão expansionista do passado.
Mesmo na América Latina, o advento do bolivarianismo teve pouco a ver com a ascensão de um espaço de prosperidade compartilhado a partir da coincidência ideológica que há um tempo galvanizou Venezuela, Argentina, Equador, Cuba, Bolívia e o Brasil de Lula-Dilma.
Foi o positivo choque externo de demanda por commodities o viabilizador desse desdém que tais países da região dispensaram a políticas econômicas desideologizadas.
Essencial fazer tais constatações ante o inegável renascimento da geopolítica. Aliás, esse déficit de racionalidade econômica que alimenta muitas das mais acirradas tensões do mundo contemporâneo seria o principal símbolo de que, ao contrário do que parecia supor o pós-Guerra Fria, o mundo encontra-se mais instável –e imprevisível.
Assim, 2016 seria mais perigoso do que tanto 1945 (com a derrota do Eixo) como 1991 (com a extinção da URSS). A prestigiosa revista "The Atlantic" (http://www.theatlantic.com/politics/archive/2015/12/the-return-of-the-1920s/422163/)) recentemente compara os anos 2010 à década de 1920 –período em que se encarniçaram terríveis monstros geopolíticos.
Nesse tabuleiro, as grandes potências se valeriam dos cenários confusos para estabelecer novas formas globais de dominação e expandir a todo canto do mundo a projeção de sua influência.
NOVA GEOPOLÍTICA
A geopolítica que se descortina agora, no entanto, dá-se em marcado contraste com o caráter de "projeto global" ou "jogo de soma zero" de períodos anteriores da história mundial.
É como se, ante a aguda periculosidade do cenário mundial, as grandes potências estivessem se resguardando de formas mais intervencionistas de política exterior. A geopolítica dos principais jogadores está sob efeito de moderadores de apetite.
Os EUA não necessariamente colocam renovadas fichas no sistema de instituições multilaterais que ajudaram a criar. FMI, Banco Mundial, ONU etc. não estão por merecer um "retrofit" de Washington.
Estão igualmente menos dispostos a comprometer capital político-militar no Oriente Médio. Comprazem-se em seu aparato tecnológico de inteligência e vislumbram nos mega-acordos comerciais no Atlântico e no Pacífico talvez seu principal projeto geoeconômico –mas nada de construir um mundo à sua semelhança.
A Europa pratica uma geopolítica "defensiva" buscando deter e filtrar fontes de problemas oriundos sobretudo da onda de refugiados e de células terroristas incrustadas em seus grandes centros urbanos.
E pensar numa geopolítica europeia mais ativa na África e no Oriente Médio é exagerar o potencial cooperativo da comunidade, que tem na Alemanha seu epicentro, mas não sua liderança.
A China almeja claro reconhecimento da proeminência que exerce em seu entorno geográfico. Busca criar agenda positiva na Eurásia e no Pacífico com projetos de infraestrutura financiados pelo novo complexo de instituições gestadas em Pequim, mas pouco de ambiciosamente global.
O tabuleiro global comporta menos pontos de atrito entre projetos hegemônicos das grandes potências e mais a coexistência de diferentes esferas de influência.
Em seu conjunto, o atual terreno geopolítico apresenta inúmeros cenários inflamáveis, mas o confronto entre os principais atores não é um deles.
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