Marcos Troyjo

Diplomata, economista e cientista social, é diretor do BRICLab da Universidade Columbia

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Marcos Troyjo

Geoeconomia do Pacífico enfrenta primeiro teste pós-Trump

Estão reunidos em Viña del Mar, no Chile, representantes dos países signatários originais do TPP (Parceria Transpacífico) —tão demonizado por Donald Trump durante a campanha presidencial e por ele abandonado logo em seu primeiro dia de trabalho como presidente.

Tais países se fazem acompanhar no encontro por representantes de Coreia do Sul, Colômbia e Chile. O objetivo é evitar que as longas e complexas negociações que se desenrolaram por quase dez anos e concluídas em outubro de 2015, não sejam de todo perdidas. Isso, no entanto, será muito difícil.

Muito da motivação que incentivou a Bacia do Pacífico a concentrar-se numa arquitetura comercial plurilateral derivava de uma esperada "troca" —um "trade-off".

Tal "barganha" pode ser encontrada em vários momentos históricos nos quais os EUA, tendo assumido a primazia das relações econômicas internacionais, lançavam-se à construção de alianças. Ofereciam benefícios de acesso a seu gigantesco mercado interno em contrapartida de uma maior influência geopolítica.

Podem-se identificar indícios de tal "trade-off" não apenas no financiamento para reconstrução pós-Segunda Guerra de Alemanha e Japão, mas também na ascensão desses países como grandes nações comerciantes. Os EUA, claro, ganharam com isso a filiação de seus antigos inimigos bélicos a um sistema político-econômico que gravitava em torno dos EUA.

Tal inspiração geopolítica norte-americana também se mostra presente na própria formação do chamado "Modelo Asiático". É dizer, uma política de crescimento econômico adotada por atores como Coreia do Sul, Taiwan ou Cingapura em que exportações de bens manufaturados para os EUA ocupava o centro da estrategia.

E, mais uma vez, os EUA, além de nesses países alastrar suas redes globais de valor —barateando custos de produção e preços ao consumidor— ainda expandiam seu acervo de alianças regionais.

É como se, para muitos países de menor desenvolvimento relativo vis-à-vis os EUA, caso de signatários originais do TPP —excetuando-se obviamente, Canadá, Japão, Nova Zelândia e Austrália—, o interesse geopolítico norte-americano fosse a "janela de oportunidade" para a obtenção de uma grande receita exportadora aos EUA.

Tal expectativa quanto à lógica negociadora dos EUA parecia naturalmente se perpetuar —e fortalecer— na administração Obama. O antecessor de Trump não apenas concebera e implementara um "pivô para a Ásia" na política externa, mas realizou tal movimento tendo o TPP como principal engrenagem econômica.

Claramente, Trump e seus assessores não veem o mundo assim. Quando o assunto é Ásia-Pacífico, a atual administração mostra-se geopoliticamente desinteressada.

E parece projetar para a região a mesma doutrina de tratar o "comércio pelo comércio", ou, nas palavras de Peter Navarro, diretor do Conselho para Comércio da Casa Branca, incentivar trocas que sejam "justas e recíprocas".

Sem os EUA, muito do "cimento comum" que unia, numa mesma construção como o TPP, países de Oceania, Ásia e América do Sul e do Norte algo que se dilui.

Claro, muito se fala numa eventual participação da China num TPP remodelado. No entanto, para o objetivo de muitos países se tornarem economicamente mais "complexos", a China não é nem de perto um substituto natural e automático ao papel que os EUA desempenhariam como protagonista do TPP.

Países exportadores de commodities agrícolas e minerais, como Peru, Chile e Austrália, veem num TPP encabeçado pela China uma espécie de "mais do mesmo". Trata-se de aumentar a escala de exportações de matérias primas, sem necessariamente o potencial de maior interdependência em atividades de elevado valor agregado.

Para sócios asiáticos de menor porte, como Vietnã ou Malásia, um TPP com China pouco afetaria a dinâmica de industrialização desses países. Estes, graças ao aumento dos custos de produção manufatureira na China, estão naturalmente recebendo crescentes lotes de investimento chinês à procura de "outsourcing" mais barato.

Semana passada, tal constatação foi vocalizada exemplarmente pelo ministro de Comércio da Malásia, Mustapa Mohamed, ao indicar que, "no TPP, a grande atração para nós eram os EUA".

Além disso, o TPP prevê inúmeras cláusulas para o estabelecimento de padrões comuns em legislação trabalhista, proteção à propriedade intelectual, critérios ambientais e tantos outros, para os quais a China, nas palavras de Julie Bishop, chanceler australiana, "não está pronta e tampouco tem a capacidade de assumir.

E a geopolítica, que já jogou tanto em favor do comércio em outros tabuleiros, representa um inibidor de muitas motivações do Japão ante um TPP que passe a incluir a China. Tóquio não consegue enxergar-se como "junior partner" numa arquitetura econômica cujo sócio maior é Pequim.

Existem, é verdade, argumentos e vias que eventualmente venham a permitir a sobrevivência do TPP sem os EUA de Trump.

Não se pode menosprezar a motivação de muitos atores por, ao ingressar numa dinâmica comercial com Pequim, passarem a acessar privilegiadamente a imensa capacidade chinesa como fonte de investimento direto, formação de joint ventures ou mesmo a modalidade de empréstimos "governo-a-governo".

Há ainda a tese de que, mesmo sem EUA ou China, os sócios do TPP deveriam apostar no Tratado. Não é inimaginável que, caso malogre o governo Trump, Washington venha a aderir a um TPP já em vigor daqui a quatro anos. Isso seria nada mais que voltar ao "mainstream" do que foi a política comercial externa dos EUA de Truman a Obama.

Uma coisa é certa. Revitalizar o TPP sem os EUA na presente conjuntura global em que os ânimos protecionistas encontram-se acirrados é tarefa árdua, delicada —e improvável.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.