Marcus André Melo

Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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Marcus André Melo

Crise de representação não se resolve nos cartórios

A mãe de uma bolsista em uma escola em Cambridge (Reino Unido) entrou na Justiça contra o secretário de Educação do governo de Tony Blair (1997-2007). Ela alegou que o Partido Trabalhista havia violado uma promessa de campanha de manter as bolsas de estudo. Em sua sentença, o juiz afirmou que uma promessa de campanha não tinha valor legal, mas lamentava aquele "estado de coisas".

Mentir ao eleitor não é crime no Reino Unido nem em democracia alguma. Está aberta a temporada de promessas de campanha e a mentira corre solta no país. Muitos denunciam golpes ao mesmo tempo em que fazem alianças com os próprios golpistas. Também denunciam reformas, mas uma vez eleitos serão os primeiros a implementá-las.

A pior forma de abuso –a corrupção– envolve em geral uma promessa negativa: a de manter-se probo. Muitos prometeram e prometem "não roubar nem deixar roubar". Parece não haver registro de recurso ao Judiciário no Brasil contra violação de promessas de campanha. E menos ainda contra um partido.

Contudo há notícia de candidato registrando promessa de campanha em cartório –como Mão Santa, candidato ao governo do Piauí, em 1999. Ou Beto Richa, em 2004. O recurso ao cartório não deveria surpreender no país cartorial por excelência. Mas expressa a falência da representação.

Os casos do Piauí ou de Cambridge ilustram tentativas de resolver pelos cartórios e pela Justiça os problemas da responsabilização política.

Historicamente o partido político tem sido mecanismo que mitiga o deficit de credibilidade nas democracias consolidadas (com eficácia declinante, por certo). Como todo consumidor sabe ao fazer escolhas na prateleira do supermercado, as marcas são informativas quanto à qualidade do produto. Assim se passa com os partidos. No jargão da área: funcionam como "atalhos informacionais".

Onde a credibilidade está escassa ou inexiste como no Brasil, as estratégias políticas tornam-se individualizadas. A dimensão intertemporal da confiança entre representante e representado reduz-se à troca à vista: o voto pelo bem individual agora (e não promessas de bens coletivos a prazo).

Mesmo em Cambridge o deficit de credibilidade persiste. Porque o contrato social da eleição é "incompleto": sujeito a oportunismos de todo tipo. Isso se deve à assimetria de informação entre os cidadãos e representantes. Os primeiros têm baixa capacidade de monitorar as ações dos segundos. Só podem se valer da reputação de candidatos, o que reduz a entrada de novos representantes.

Com regras que favorecem os atuais partidos, a renovação em 2018 assumirá a forma de um queijo suíço: os menos afetados dentro deles sobreviverão. E não adianta recorrer ao cartório.

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