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maria inês dolci

 

25/06/2012 - 03h00

Cartões de dívida

Sabe aquele retângulo de plástico que você usa para pagar suas compras, no vencimento ou em algumas parcelas? Pois bem, as operadoras de cartões de crédito não reduziram os juros cobrados no rotativo (pagamento do valor mínimo da fatura com financiamento do restante).

Um dos maiores fatores de endividamento dos brasileiros, pela facilidade de comprar e parcelar contas, o cartão de crédito representa 77,2% das dívidas das famílias paulistanas que estão endividadas, de acordo com pesquisa da Fecomercio-SP. Outro levantamento, da Anefac, mostra que os juros mensais são superiores a 10%.

Como o desempenho do PIBinho (Produtinho Interno Bruto) é pífio, inferior ao de países como Peru, México, Chile e Argentina --para comparar com latino-americanos--, a inflação também caiu. Logo, fica claro que as taxas dos cartões não caíram nem com a pressão do governo pela queda dos juros nem com o arrefecimento do custo de vida.

O pior é que o custo do crédito rotativo não diminui, pois os consumidores topam pagar as taxas que tangenciam a agiotagem.

Como não há reclamações nem suspensão do uso do dinheiro de plástico, as operadoras continuam esfolando os usuários.

É altamente recomendável, portanto, que o cartão não seja utilizado como financiador de aquisições de produtos e serviços. Só se justifica para pagamentos à vista ou em parcelas sem juros.

Outra sugestão é ter, no máximo, um cartão, para evitar a tentação de consumir além do razoável.

Os juros do cheque especial, por sua vez, já recuaram um pouco, mas continuam na estratosfera: 8,24% em maio. É outro empréstimo inviável, pois não há investimento nem atividade produtiva que renda tanto em igual período.

Cartões e cheques especiais são vias rápidas para o superendividamento. O crescimento do consumo, nos últimos anos, foi bancado pela maior oferta de crédito. Por exemplo, via consignado, com desconto mensal em folhas de pagamento ou das aposentadorias.

As consequências são visíveis. A inadimplência afetou as vendas do Dia dos Namorados e tem impactado o comércio de automóveis.

Para alguns especialistas, não há mais espaço para ativar a economia via crédito, devido ao comprometimento já elevado da renda das famílias brasileiras. A presidente Dilma Rousseff discorda e insiste na importância da redução dos juros e da ampliação dos prazos dos financiamentos para evitar queda mais expressiva dos negócios no Brasil.

Recentemente, estudo indicou que as despesas com automóveis representam 27% das compras a prazo da classe C. O estímulo ao consumo preocupa economistas como Fabio Giambiagi e sociólogos como Cláudia Sciré. Ela critica a financeirização da pobreza, que substitui a efetiva ascensão de uma nova classe média.

É lamentável que o populismo político se sobreponha ao bom-senso e à proteção da população com menor renda. Que se crie uma ilusão de mudança de classe social via crédito, que não é sinônimo de salário nem de renda.

Cabe aos cidadãos não cair nessa cilada financeira. Empréstimo significa quantia de dinheiro que se toma emprestado e que se supõe que será devolvida ao emprestador, com ou sem juros (no Brasil, com taxas escorchantes).

Diferentemente de ganhos com trabalho, aposentadorias, pensões ou investimentos. Ou de redução da carga tributária. A correção integral retroativa da tabela do Imposto de Renda seria um aumento indireto de renda. Assegurar que acompanhasse a inflação anual, idem.

Oferecer saúde e educação públicas de qualidade e transporte público que propiciasse rodar menos com o carro particular seria outra forma de melhorar o poder aquisitivo da população e o ambiente.

Nada disso, porém, parece estar no horizonte próximo. Continuaremos sob derrama de impostos sem a contrapartida de bons serviços públicos.

O anzol do crédito terá, em sua ponta, a minhoca do acesso mais fácil a bens e serviços. Mas continuará sendo uma pescaria indevida, de consumidores incautos, ávidos por mais conforto e lazer.

maria inês dolci

Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da ProTeste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor), é colunista e blogueira da Folha. Atua há mais de 20 anos na área de defesa do consumidor, com passagens pelo setor público e privado. Acompanhou a implantação do Código de Defesa do Consumidor, em 1990.

 

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